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segunda-feira, 28 de março de 2011

"O espelho" de Machado de Assis sob o olhar crítico de Hildon Rocha e Alfredo Bosi

          
Paraguassu de Fátima Rocha

             
Machado de Assis penetra na alma humana de forma sutil, sem  contudodeixar de esmiuçá-la profundamente. O que se dizer de um escritor que lança mão de uma visão filosófica de alma, para brilhantemente desmistificá-la e aproximá-la do comum. É como se a experiência vivida por Jacobina em “O espelho” contrariasse todos os conceitos pré-existentes e revelasse a escolha de uma máscara que seria usada pela personagem para sempre.
                 As análises do conto machadiano feitas por Hildon Rocha em “Machado de Assis e a arte do conto” e “Contos-teorias” de Alfredo Bosi seguem caminhos diferentes, porém coincidem na interpretação da temática, ou seja, a constatação da importância que  aspectos externos, tais como interesses, aparência e opinião exercem sobre o ser humano. No texto de Hildon Rocha tem-se: Machado identifica uma doença da própria sociedade competitiva e utilitária que valoriza a aparência e a ostentação, subestimando os valores essenciais, o que para Alfredo Bosi representa que: “Não poderia  ter descido mais fundo a teoria do papel social como formador da percepção e da consciência”.
                 Entretanto, Hildon Rocha equivoca-se em sua análise ao classificar a personagem criada por Machado de Assis como porta voz do autor, ferindo um dos princípios básicos da literatura no qual autor e o narrador personagem são confundidos “Machado assume neste caso o papel de ventríloco e não de criador imparcial...” Ora, o tema abordado no conto segue as características universalistas de Machado de Assis, ou seja, o processo de auto-análise pelo qual passa  o alferes criado por Machado é experimentado por qualquer ser humano em algum momento de sua vida. Portanto não se trata do autor, mas sim de uma realidade retratada através da personagem Jacobina, que ainda segundo Hildon Rocha, “É quando o alferes [...] se transforma em filósofo postiço fazendo ele mesmo o diagnóstico da crise que o envolve”. Esse processo é confirmado nos comentários de Alfredo Bosi sobre o referido conto: “Na sua construção ‘O Espelho’ delega a voz narrativa central à primeira pessoa. Com ajuda desse procedimento o tema da rendição à Aparência dominante é trabalhado, não como um fato curioso [...], mas como a experiência vivida e capital de um destino.
                 Outra citação no texto de Hildon Rocha que soa como uma identificação entre autor e personagem é a alusão de que Machado de Assis “ainda não estava em idade de observar”. Novamente equivoca-se o autor, pois Machado soube como ninguém observar e analisar de forma perspicaz o caráter e o comportamento humano, concebendo seus personagens de forma cuidadosa e produzindo, segundo o conceito de conto de Edgar Allan Poe, um efeito único e original e inventando um incidente que conduza ao efeito.
                 Em “O espelho” estes elementos se confirmam, desde a caracterização da personagem  Jacobina, que tinha “entre quarenta e cinqüenta anos, era provinciano, [...] inteligente [...] astuto e cáustico”, e cujas características determinam a personalidade desta, pois é a sua astúcia e inteligência  que o levam a encerrar uma discussão que seguramente o incomodava, pois seus interesses e conhecimento transcendiam ao plano da retórica e Jacobina já teria se confrontado com a sua própria imagem e descoberto quem de fato era. Essa descoberta ocorre em função do incidente criado por Machado de Assis, no qual a personagem se vê sozinho devido à viagem de sua tia  e a fuga dos escravos, levando-a a confrontar-se com a angustiante realidade da busca da sua identidade, da sua alma externa, aquela que para Alfredo Bosi é a passagem de classe, o aprendizado das aparências. A adoção da máscara como seu novo eu.

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