Resumos. Ensaios. Artigos. Resenhas. Análises. Críticas.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Alguns aspectos sobre As mil e uma noites

Paraguassu de Fátima Rocha


Tema: apelo à vida (enredo principal);

Sub-temas: trocas baseadas na confiança, caráter das personagens, traição, os quais estão presentes nas micronarrativas (narrativas dentro da narrativa principal), ou seja, de uma história central em que se destaca a figura de Sherazade, a obra se abre para outras narrativas;

Motivação: exposição cultural;

Narrativa circular: diz respeito a continuidade da narrativa, uma vez que a personagem central (Sherazade) ao retomar histórias anteriores cria através dessas um círculo protetor e escapa do fim trágico que tiveram as outras esposas do rei;

Ponto de vista narrativo: destaca-se a presença de um narrador onisciente (Sherazade) que conduz o fio central da narrativa, prevalecendo, portanto, o seu ponto de vista; mudança de focalização - a narradora dá voz às personagens dos contos que passam a relatar suas próprias experiências;

Narratários: além dos narratários implícitos (leitores), a obra conta com narratários explícitos (Sahriyar e Dinazade) que ouvem as histórias de Sherazade;

Realismo fantástico: está relacionado à presença de seres fantásticos como gênios e fadas comuns na cultura oriental.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A ESTÉTICA DO HORROR: DRACULA, O ROMANCE, DRACULA, O FILME

                                                                                                 Paraguassu de Fátima Rocha

Ao proceder a leitura de uma narrativa, seja ela verbal ou visual, o leitor e/ou espectador deparam-se com elementos estruturais comuns que o auxiliam na construção de sentido do texto. O enredo de um texto ficcional em prosa não se organiza, portanto, sem a presença de um narrador, das personagens e da configuração espaço-temporal. O texto fílmico, igualmente, faz uso de tais elementos, porém para que se realize, conta com recursos específicos da linguagem cinematográfica, tais como: edição, montagem, efeitos visuais e sonoros e enquadramento, entre outros. Considerando-se esses aspectos e a especificidade de cada meio, o romance de Bran Stoker (1897) e o filme de Francis Ford Coppola (1992), Dracula, serão utilizados neste estudo para discutir as características do horror empregadas pelos dois autores.
O que se propõe então é a análise de duas narrativas distintas construídas a partir de olhares diferentes sobre o mesmo tema: o vampirismo – a necessidade imperiosa do sangue como alimento e garantia de vida eterna – e as implicações que isso apresenta no desenvolvimento do conflito dramático. Ao tema central ligam-se dois subtemas, ou seja, os motivos que levam Drácula a atacar Mina Murray. No romance, o principal motivo é a vingança do vampiro contra aqueles que o perseguem: Jonathan Harker, noivo de Mina, e seus amigos “Minha vingança apenas começou. Eu espalho isso através dos séculos e o tempo está ao meu lado”[1] (STOKER, 2007, p. 326); e, no filme o amor eterno pela esposa morta que reencarna em Mina.
Dracula de Stoker é uma coletânea de textos, incluindo diários, cartas, telegramas e relatórios que mantém a tradição do romance gótico, narrado por diferentes vozes e sem a presença um narrador onisciente, iniciado por Matthew Gregory Lewis no ano de l796, com The monk.  No filme de Coppola, a ausência do narrador é suprida pelas técnicas de montagem e edição de imagens, através das quais as sequências são organizadas. Evidentemente que a caracterização fílmica apresenta diferenças com relação à caracterização literária, uma vez que aquela faz uso do movimento das câmeras, a posição dos atores, a mis-en-scéne e a própria câmera, conforme assevera McFarlane: “A câmera, nesse sentido torna-se o narrador, por, por exemplo, focalizar em alguns aspectos da mis-en-scéne, na maneira como os atores olham, movimentam-se, seus gestos, o figurino, ou a maneira como se posicionam em cena ou como eles são fotografados.”[2] (MCFARLANE, 1996, p. 17)
As histórias contadas sob diferentes pontos de vista dão origem a outro elemento comum às narrativas: a focalização. No contexto literário a posição de focalizador cabe a Jonathan e Mina. É através do olhar dele que o leitor toma conhecimento do universo assustador do conde da Transilvânia e das suas trágicas experiências como visitante do castelo, ao mesmo tempo em que tem revelada a existência de sua noiva Mina. Ela, por outro lado, apresenta seus amigos, descreve a sociedade londrina e demonstra vividamente suas expectativas em relação ao casamento com Jonathan.  A alternância da focalização também é visível na produção de Coppola, principalmente nas sequências iniciais, entretanto, com a chegada de Drácula à Inglaterra, esse começa a exercer a função de focalizador, o que se explica pela habilidade que o monstro possui em penetrar na mente das personagens.

 Embora, os textos apresentados obedeçam a uma ordem cronológica, não é possível afirmar que se trata de um romance linear, uma vez que diversos episódios são intercalados e parecem dissonantes com a permanência de Harker no castelo de Drácula, destacando-se entre eles, a doença de Reinfield, a fuga de um lobo do zoológico de Londres, ou ainda os estranhos acontecimentos ocorridos num navio à deriva, por falta da tripulação.  A linearidade, propriamente dita, pode ser percebida apenas no início da narrativa, quando Harker relata os acontecimentos por ele vivenciados.
Já na produção de Coppola, conforme argumenta Waltje (2000, p. 30), as técnicas narrativas refletem diretamente o caráter epistolar do romance de Stoker. Entretanto, por tratar-se de uma narrativa fílmica, as diversas histórias são ligadas pelos recursos próprios da linguagem cinematográfica, tais como: voice-over, legendas, mapas, indicações e conexões visuais, cuja descrição dos diferentes pontos de vista é realçada pelo uso frequente de imagens sobrepostas e técnicas como fade out e fade in. Outro aspecto que caracteriza a diferença entre as narrativas é a circularidade na versão de Coppola.  A sequência final do filme repete a cena inicial em que os dois amantes se encontram em frente ao altar e marca a opção do diretor em acrescentar uma atmosfera romântica ao estilo gótico de Stoker.
Nesse contexto pode-se relacionar as relações espaço-temporais. Enquanto no romance a dimensão temporal é marcada pela data dos documentos e corresponde a aproximadamente sete meses e as transições espaciais se distinguem claramente entre a Inglaterra e a Transilvânia, observado o tempo da narrativa, no filme, por questões naturais, esse processo é acelerado pelas técnicas cinematográficas.
A viagem de Harker à Transilvânia, por exemplo, estende-se por exatos três dias e ocupa treze páginas do romance. Em seu relato, ele descreve os horários, o trajeto, a paisagem e as pessoas, minuciosamente. A uma primeira vista parece querer retardar a ação, mas por tratar-se de uma narrativa que envolve o suspense essa demora é necessária e, para usar os termos de Eco, serve para “indicar que devemos nos preparar para entrar num mundo em que a medida normal do tempo nada conta, um mundo em que os relógios estão quebrados ou liquefeitos como num quadro de Dalí.” (ECO, 1994, p. 75) A mesma passagem no filme, mantendo todos os aspectos descritos pela personagem, dura cerca de dois minutos em função da articulação de efeitos, tais como, projeções e sobreposições de imagens – a sequência tem início com a travessia do trem por um túnel, sugerindo a transposição espaço-temporal que acompanha, de certa forma a velocidade do trem; durante o percurso, as paisagens são mostradas ao fundo enquanto o mapa da região é projetado no rosto de Harker no mesmo instante em ele lê a carta enviada por Drácula, cuja narração é feita em voice-over. O recurso da voice-over é utilizado em diferentes momentos da narrativa fílmica, incluindo o prólogo. A aceleração do tempo da narrativa também é notada na viagem do vampiro para a Inglaterra. Utilizando-se das técnicas de abertura e fechamento da câmara, o deslocamento de Drácula ocorre quase que instantaneamente.
Em ambas as narrativas as personagens têm suas histórias entrelaçadas e são atraídas pelo poder e a força de Drácula, uma criatura impiedosa, cuja tirania vitimiza a todos. O primeiro a sentir o poder maléfico do vampiro é o jovem Jonathan Harker que viaja à Transilvânia para lhe vender propriedades em Londres. Jonathan é noivo de Mina Murray, a segunda vítima da vampirização do conde, a primeira é Lucy Westenra, sua amiga. O perfil das duas personagens é bastante semelhante no romance de Stoker. Ambas pertencem à sociedade vitoriana inglesa do século XVIII, extremamente opressora com relação às mulheres, as quais eram educadas para constituir família e viverem à sombra de seus maridos.  Lucy, embora descrita como uma jovem doce, “Lucy é tão doce e sensível que sente as influências mais intensamente do que qualquer outro”[3] (STOKER, 2007, p. 97), é mais exuberante e carismática, atraindo especialmente a atenção masculina. Mina, ao contrário, mesmo apresentando características psicológicas marcantes, fisicamente, é insossa e suas ações no romance resumem-se em narrar os acontecimentos, o que parodoxalmente a torna a principal responsável pela captura do conde, já que consegue reunir através de seus documentos todas as informações necessárias para que isso se concretize.  Ela representa o modelo da mulher inglesa da era vitoriana: modesta, casta, cheia de princípios morais e principalmente inocente quando se trata das implicações dos acontecimentos à sua volta, como fica claro após o ataque sofrido por sua amiga:

Tudo vai bem, Lucy dormiu até que a acordei, e parece nem ter mudado de lado. A aventura da noite parece não tê-la afetado; ao contrário, parece tê-la beneficiado, já que ela parece melhor esta manhã do que tem estado por semanas. Senti muito que o meu descuido com o alfinete tenha lhe ferido. Na verdade, parece ter sido sério, porque a pele do seu pescoço estava perfurada. [...] Quando me desculpei [...] ela riu, me acariciou e disse que nem ao menos havia sentido aquilo. Felizmente aquilo não deixaria nenhuma cicatriz, já que era tão pequeno.[4] (STOKER, 2007, p. 103)


Nesse ponto, convém lembrar o pensamento de Williams sobre a tendência da literatura do horror e que se estende especialmente ao cinema quando se trata do apelo sexual, ligado segundo a autora, às questões do poder ou a sua ausência. Para Williams (2007, p. 214), essa estrutura relaciona-se ao limites impostos pelo poder patriarcal que determina se a figura feminina pode ser caracterizada como boa ou má. Ela acrescenta ainda, que a “boa” moça, passiva sexualmente, não deseja o prazer que ela recebe, enquanto a moça “má” aprecia esse prazer e por aceitá-lo é normalmente punida. Os filmes de horror, então, “destroem as moças ‘más’, sexualmente ativas, permitindo somente às jovens não sexuais, sobreviverem.” (WILLIAMS, 2007, p. 214)
Essa dicotomia comportamental e suas consequências ficam claras no romance de Stoker, na medida em que Lucy é punida com a morte, enquanto Mina, embora submetida ao vampiro é salva e recompensada pelo seu sofrimento. Coppola, no entanto, explora e transcende essas tendências, recaindo no que Linda Williams denomina de apropriação do poder fálico, ou seja, as boas moças tornam-se, como uma forma de recompensa, marcadamente ativas, na medida em que se apropriam do poder fálico, conforme  observa-se na sequência em que Mina  despede-se do noivo. O recato da jovem cede lugar ao desejo no momento em que ela decide beijar Jonathan ardentemente. Tal comportamento repete-se quando encontra Drácula e mais intensamente quando, diante da hesitação do vampiro em transformá-la em morta-viva, toma a iniciativa.
As descrições acima inserem-se no contexto das histórias de horror que fazem parte do imaginário popular desde as eras mais remotas, provocando no leitor um profundo efeito de estranhamento que se traduz por calafrios, tensões e sentimentos de prazer mórbido. Um desses momentos se traduz através do relato de Harker:

De repente, a nossa esquerda, vi uma chama azul flamejante. No mesmo instante, o cocheiro também a avistou; ele imediatamente examinou os cavalos e, pulando para o chão, desapareceu na escuridão. Eu não sabia o que fazer. [...] Eu acho que devo ter caído no sono e permaneci sonhando durante o incidente, porque isso se repetiu inúmeras vezes, e agora, recordando, isso se assemelha a um terrível pesadelo.[5] (STOKER, 2007, p. 19)

Ao longo do tempo, esses tipos de narrativa sofreram inúmeras modificações, mas não perderam algumas de suas características únicas e talvez por essa razão figurem como narrativas literárias que ganharam força a partir do século XVIII com seus seres espectrais e demoníacos habitando castelos antigos e envolvidos por uma atmosfera de mistério e escuridão. Lovecraft (2007, p. 17) argumenta que esse tipo de narrativa necessita de “Uma certa atmosfera inexplicável e empolgante de pavor de forças externas precisa estar presente; e deve haver um indício, expresso com seriedade e dignidade condizentes com o tema, daquela mais terrível concepção do cérebro humano [..]”. Ou seja, a atmosfera proposta pelo autor ao tratar do que ele denomina de horror cósmico transcende o medo convencional, provocada por agentes externos e leva o sujeito a confrontar-se com sua própria interioridade.  A narrativa fílmica, por outro lado, além de contar com as características propostas por Lovecraft, apresenta, de acordo com Linda Williams (2005, p. 219), um determinado grau de violência e sangue que incita o medo e conduz o público ao êxtase.
Dracula de Stoker marca uma nova fase do horror na literatura ocidental e firma-se como o primeiro romance gótico de real valor do gênero, apresentando características essenciais do horror cósmico proposto por Lovecraft, que para o autor consistem em:

[...] antes de tudo, do castelo gótico com sua antiguidade espantosa, vastas distâncias e ramificações, alas desertas e arruinadas, corredores úmidos catacumbas ocultas insalubres e uma galáxia de fantasmas e lendas apavorantes como núcleo de suspense e pavor demoníaco. Incluía também, além disso, o nobre tirânico e perverso como vilão; a heroína santa; [...] o herói valoroso e sem mácula; [...] luzes estranhas, alçapões úmidos, lâmpadas apagadas, embolorados manuscritos ocultos, dobradiças rangentes, cortinas se mexendo e tudo o mais. (LOVECRAFT, 2007, p. 28)

A atmosfera de horror e suspense tem início no romance de Stoker quando Jonathan Harker dirige-se ao castelo de Drácula. Durante a viagem, o jovem se vê diante de acontecimentos que escapam à sua compreensão. Primeiro, o horror expresso no olhar e nas atitudes dos aldeões quando são informados que está indo ao castelo do conde, seguidos por avisos para que tome cuidado, além dos sinais de persignação e o amuleto que recebe das mãos de um deles. Ao se aproximar dos domínios do vampiro, depara-se com chamas azuladas, conforme descrito acima, que se acendem ao longo do caminho, além dos animais que o seguem durante todo o percurso.
A particularização da atmosfera de terror descrita por Lovecraft ganha forma no texto literário através da caracterização do ambiente e na ambientação e, no cinema, pela mis-en-scéne. Entendendo-se as duas últimas como a maneira pela qual o ambiente é construído pelo organizador da narrativa. Em Drácula de Stoker, o clima de tensão se estabelece quando Harker aproxima-se do castelo e fica espantado com o que vê, declarando que sentira medo e ficara cheio de dúvidas enquanto esperava para ser recebido. O encontro com o conde aumenta sua apreensão, principalmente pelo aspecto sinistro da figura à sua frente. O embate entre ambos ocorre quando Jonathan é “convidado” a permanecer no castelo e percebe que se tornara prisioneiro do conde. A descrição minuciosa da morada do conde servirá de apoio para a construção da mis-en-scéne na produção de Coppola, especialmente da sala em que Harker é recebido. A câmera mostra uma sala sem nenhum requinte com um mobiliário consumido pelo tempo e iluminada por luzes de velas que parecem estar ali há séculos, o que certamente contribui para maximizar o quadro de terror vivido pela personagem.
Jonathan experimentará outros momentos de igual tensão enquanto estiver aprisionado no castelo, entretanto a atmosfera de horror atinge o seu ápice no momento em que o vampiro, já na Inglaterra, investe contra a amiga de Mina, Lucy Westenra, conforme essa relata em um memorando. Lucy é acordada por um bater de asas em sua janela e assustada busca por ajuda. Sua mãe percebendo que a filha não conseguira dormir vem lhe fazer companhia e nesse momento as batidas se intensificam na janela.

Em seguida um uivo baixo vindo do jardim e pouco depois uma batida na janela, e uma porção de estilhaços de vidro espalhados pelo chão.  A cortina de janela movimentou-se com o forte vento que penetrou no quarto, e na abertura da janela a cabeça de um lobo imenso, esquelético e cinza. Mamãe gritou de pavor [...] e agarrou-se fortemente em qualquer coisa que pudesse ajudá-la. Entre outras coisas, à guirlanda de flores que o Dr. Van Helsing insistiu em me fazer usar no pescoço, arrancando-a de mim. Por um segundo ou dois ela sentou-se, apontando para o lobo, da sua garganta partiu um estranho som, um murmúrio horrível, e ela caiu. [...] Mantive meus olhos fixos na janela, mas o lobo afastou-se e uma miríade de partículas  pareceu entrar pela janela quebrada. [...] O que posso fazer? [...] Estou sozinha com a morte.[6] (STOKER, 2007, p. 154-5)

           
 No romance de Stoker, em que tanto o leitor quanto as personagens são envolvidas pelo clima de mistério e caminham desorientados ao longo da narrativa, as palavras de Lucy prenunciam o seu destino: estar sozinha com a morte, lembrando que a morte é outro elemento recorrente nas histórias de horror.  A personagem, inconscientemente percebe que algo estranho está por lhe acontecer, mas desconhece a origem do mal. Suas palavras traduzem o mito da morta-viva e somente mais tarde, já vampirizada, ao tentar atacar seu noivo, Arthur, ela descobre no que havia se transformado, conforme relata seu médico: “Instantes depois de abrir os olhos com toda a delicadeza, movimentando suas mãos finas e pálidas, pegou as mãos de Van Helsing, e as beijou. [...] ‘Meu verdadeiro amigo, e dele! Oh, proteja-o, e dê-me a paz!”[7] (STOKER, 2007, p. 172). A paz solicitada por Lucy, apenas pode ser alcançada pelos vampiros mediante um ritual violento e coberto de sangue, que inclui uma estaca sendo arremetida em seu coração e o corte de sua cabeça.
A doença de Lucy, motivada pelo ataque do vampiro, vai aproximar todas as personagens, que em função do amor e da amizade que nutrem pela jovem desempenham papel importante nas duas narrativas. Primeiro, na tentativa da salvá-la e depois na caçada ao monstro. Enquanto estava doente e é atendida por Van Helsing, ela recebe o sangue dos seus três apaixonados, Dr. Seward, Quincey Morris e Arthur Holmwood, seu noivo. O sangue na obra Stoker, além de relacionar-se ao simbolismo da vida eterna, também assume um caráter metafórico para a sexualidade. Isso fica claro na cena do filme de Coppola em que Drácula e Mina finalmente concretizam o ato da vampirização. A troca de sangue entre eles sugere o prazer sexual. No momento em que Drácula entra no quarto de Mina, ainda não materializado, a câmera percorre o corpo da jovem, como se a acariciasse, ao que ela responde com movimentos sensuais e cheios de desejo. A consumação do ato é sugerida pelo abraço terno entre os dois amantes após alimentarem-se do sangue um do outro. Destaque-se que essa sequência é o resultado da aproximação das duas personagens durante o desenvolvimento da narrativa fílmica. O encontro dos dois ocorre num café, circundado por uma atmosfera envolvente e bastante sedutora, marcada por constantes close-ups focalizando os olhos de Mina e Drácula e especialmente os lábios da jovem, criando um clima sensual e sugerindo a intimidade do casal.
A introdução da história de amor entre Drácula e Mina é a principal mudança no enredo criado por Bran Stoker, que em sua concepção original apresentou a longa genealogia de Drácula, além de estabelecer o contraste entre a moralista sociedade inglesa e a sociedade onde o vampiro havia nascido – a Transilvânia – através de fatos e figuras locais. O romance de Stoker apresenta também uma crítica à falta de habilidade de sobrevivência de Drácula, isolado da civilização e à própria modernidade que conduz à perda de valores ancestrais. Tais valores são  resgatados por Van Helsing para deter o avanço da criatura, como por exemplo, a guirlanda de alho colocada ao redor do pescoço de Lucy, cuja crença remonta ao período medieval. O cientista recorre também aos métodos utilizados por Drácula, como a hipnose, para penetrando em sua mente acompanhar seus passos e destruí-lo. Há um contraste entre o mistério que mostra-se de maneira irracional, folclórica e não natural e a ciência dominada por Van Helsing expressa por meio da racionalidade, da naturalidade e a constante busca pela cura das doenças provocadas também pelo poder maléfico do vampiro.
Se o diretor de Dracula optou por acrescentar uma história de amor entre o vampiro e a mocinha, Stoker contabilizou em sua obra o amor fraterno e a amizade sincera capazez de vencer todos os reveses e permanecerem intactos mesmo com a passagem do tempo, como declara Van Helsing em nota no final do livro, escrita por Jonathan Harker: “[...] não precisamos que ninguém acredite em nós! Esse menino um dia saberá o quão nobre e corajosa sua mãe é. Ele já conhece sua doçura e seus cuidados; mais tarde entenderá como alguns homens tanto a amaram e os desafios que enfrentaram por sua causa.”[8] (STOKER, 2007, p. 402)
Independente das características que se queira aplicar às narrativas de Stoker e Coppola e sabendo-se que esses textos ora convergem em termos estruturais e ora divergem na construção de sentido, as duas se sobressaem na categoria do horror, à medida que tanto leitores quanto espectadores são envolvidos por uma aura de suspense e medo que lhes proporciona o efeito catártico.


REFERÊNCIAS.

Bram Stoker’s Dracula. Dir. Francis Ford Coppola. Columbia Tristar, 1992.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural em literatura. (trad.) Celso
Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2007.
MCFARLANE, Brian. Novel to Film. An introduction to the theory of adaptation.
Oxford: Claredon Press, 1996.
STOKER, Bran. Dracula. London: Penguin, 2007.
WALTJE, Jörg. “Filming Dracula: vampires, genre, and cinematography.” Journal of
Dracula Studies 2 (2000).
WILLIAMS, Linda. “Film Bodies: Gender, Genre, and Excess.” In: Film Theory and Criticism, edited by Leo Braudy and Marshall Cohen. Oxford: Oxford University Press, 2004.

Notas.



[1] My revenge is just began! I spread it over the centuries, and time is on my side. (Todas as traduções apresentadas neste trabalho, são traduções livres da autora.
[2] The camera in this sense becomes the narrator by, for instance, focusing on such aspects of mise-en-scene as the way actors look, move, gesture, or are costumed, or on the ways in which they are positioned in a scene or on how they are photographed.
[3] Lucy is so sweet and sensitive that she feels the influences more acutely than other people do.
[4] All goes well. Lucy slept till I woke her, and seemed not to have even changed her side; on the contrary, it has benefited her, for she looks better this morning than she has done for weeks. I was sorry to notice that my clumsiness with the safety-pin hurt her. Indeed, it might be serious, for the skin of her throat was pierced. […]. When I apologized […], she laughed and petted me, and said she did not even feel it. Fortunately it cannot leave a scar, as it is so tiny.
[5] Suddenly, away on our left, I saw a faint flickering blue flame. The driver saw it at the same moment; he at once checked the horses and, jumping to the ground, disappeared into the darkness. […] I think I must have fallen asleep and kept dreaming of the incident, for it seemed to be repeated endlessly, and now looking back, it is a sort of awful nightmare.
[6] After a while there was the howl again out in the shrubbery, and shortly after there was a crash at the window, and a lot of broken glass was hurled on the floor. The window blind blew back with the wind that rushed in, and in the aperture of the broken panes there was the head of a great, gaunt grey wolf. Mother cried out in a fright, […] and clutched wildly at anything that would help her. Amongst other
things, she clutched the wreath of flowers that Dr Van Helsing insisted on my wearing around my neck, and tore it away from me. For a second or two she sat up, pointing at the wolf, and there was a strange and horrible gurgling in her throat; then she fell over, […]. I kept my eyes fixed at the window, but the wolf drew his head back and a whole myriad of little specks seemed to come blowing in through the broken window. […] What am I to do? […] I am alone. […] Alone with the dead!
[7] Very shortly after she opened her eyes in all their softness and putting out her poor pale, thin hand, took Van Helsing´s […] drawing it to her, she kissed it. […] ‘My true friend, and his! Oh, guard him, and give me peace!’
[8] We ask none to believe us! This boy will some day know what a brave and gallant woman his mother is. Already he knows her sweetness and loving care; later on he will understand how some men so loved her, thad they did dare much for her sake.”

 * Artigo publicado no I Simpósio Nacional de Grupos de Pesquisa em Estudos Literários, Maringá/2009.