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sexta-feira, 16 de março de 2012

A RECRIAÇÃO DO MITO EM COPPOLA´S DRACULA


Paraguassu de Fátima Rocha

Introdução
O filme Coppola’s Dracula (1992), de Francis Ford Coppola, realizado num momento em que sua produtora enfrentava graves problemas financeiros foi logo considerado um lançamento meramente comercial. Entretanto, a natureza de grande cineasta prevaleceu, dando origem a uma das mais controversas produções do gênero de horror, o que lhe rendeu comentários positivos tanto da crítica quanto do público, além de três prêmios da Academia – melhor figurino, melhor edição de som e melhor maquiagem –, cujos efeitos foram conseguidos sem nenhuma intervenção tecnológica, fazendo uso apenas de elementos já consagrados pelo cinema, como por exemplo, as trucagens e equipamentos antigos, dentre outros. Procurando resgatar o mito do Conde Drácula descrito por Bran Stoker em seu romance Drácula (1897), Coppola mantém, na sua quase totalidade, a mesma estrutura narrativa da obra de Stoker.
Nesse contexto figuram a linearidade, somente quebrada na seqüência em que  Mina Harker recupera o seu passado como a esposa de Drácula, Elisabeta; o caráter epistolar do romance, que no filme é trabalhado não apenas como uma forma de expor uma mesma história de acordo com as diferentes perspectivas das personagens, mas como um caráter definidor das mudanças ocorridas nas suas vidas, caracterizando assim o leitmotiv da narrativa de Coppola. Tome-se como exemplo as mensagens enviadas, primeiro pelos turcos, a qual vai determinar o suicídio da esposa do nobre guerreiro da Transilvânia e a segunda, encontrada por ele junto ao corpo de sua amada, vai justificar a reviravolta na trama e, que, seguramente, funciona como uma saída encontrada pelo cineasta para inserir características do gênero romântico numa contextura eminentemente de terror. Além desses aspectos, o diretor, ao proceder a adaptação do romance de Stoker, também reelabora o perfil de algumas personagens, dentre eles o de Drácula que será analisado posteriormente, o de Mina Harker e mais intensamente o de sua amiga Lucy, que devido à sisudez do romance não tem retratado todo o seu caráter sedutor e éedutor e ratado todo o seu carater z do romance nracteristicas sa. Esse ilhete to figuram a linearidade, somente quebrada na se apresentada como uma jovem meiga, atraída por Drácula e que entrega-se ao poder das trevas.
 Ainda com relação às personagens, Coppola optou pela permanência da maioria delas, com exceção da presença da mãe de Lucy e aquelas secundárias que vão introduzir o universo da Transilvânia a Jonathan Harker durante sua viagem ao palácio do vampiro – há apenas uma tomada em que Harker recebe um crucifixo das mãos de uma jovem, referência direta aos costumes da região –; a omissão da primeira vítima de Drácula quando chega à Londres e a ausência dos empregados que trabalharam no transporte dos caixões carregados da terra natal do vampiro para a sua nova morada; e, dos funcionários responsáveis pela localização dos outros imóveis do conde que no romance exercem papel importante por colaborem com Van Helsing e seus amigos na captura de Drácula.
Buscando aporte nas considerações de Robert Stam (2005) sobre a adaptação e com base nas diferenças apontadas nas cenas acima descritas, é que vai-se discutir as questões inerentes à adaptação filmíca de Coppola do romance de Stoker.

Discussões sobre adaptação: questões teóricas
Se hoje o cinema figura entre as grandes artes e a adaptação fílmica merece destaque entre estudiosos e críticos, durante algum tempo ambos esbarraram em dogmas que limitavam a sua área de ação. Além das questões envolvendo fidelidade e infidelidade, Robert Stam (2005) levanta outros aspectos que, segundo ele, geraram campos de hostilidade na interpretação dos novos conceitos, especialmente no que diz respeito à adaptação de textos literários para o cinema. Entre eles, o autor destaca a crença na superioridade da literatura em relação ao cinema; a rivalidade entre as duas artes; a iconofobia; a exaltação da palavra escrita; a facilidade de se fazer um filme em comparação à elaboração de um texto literário; o cinema que estaria destinado a atingir classes menos privilegiadas culturalmente; e, a dependência do cinema do texto literário.
O fato do cinema ser considerado arte menor em relação às outras artes merece um comentário do diretor de Coppola´s Dracula e é enunciado através da voz de Mina Harker quando convidada pelo conde para conhecer o cinematógrafo, que para ele representa a maravilha do mundo civilizado.  A jovem, entretanto, sugere que se ele busca por cultura deve visitar um museu. Outra referência explícita à valorização das outras artes, e nesse caso, ao teatro, é a placa mostrada em seguida que anuncia a estreia da peça Hamlet de Shakespeare. 
Foi somente quando cinema e literatura passaram a ser vistos como artes distintas, operando com os seus próprios signos, que o processo de adaptação assumiu novos contornos. Críticos como Brian McFarlane (1996), Timothy Corrigan (1999) e James Naremore (2000) redimensionaram o campo de estudo. McFarlane propõe uma análise baseada “na espécie de adaptação que o filme se propõe a ser” (McFarlane, 1996, p. 22), Corrigan e Naremore enfatizam que os estudos sobre a adaptação devem respeitar o momento histórico-cultural em que o filme é produzido e a especificidade dos diferentes meios, e nesse contexto é válido salientar o pensamento de Stam (2005) sobre a impossibilidade real de se produzir uma obra literalmente fiel à estrutura literária:
Uma adaptação é automaticamente diferente do original devido à mudança do meio. A alteração de um meio verbal single-track como o romance, para um meio multitrack como o filme, que pode representar não só com palavras, mas também com música, efeitos sonoros, e imagens fotográficas, explica a improbabilidade, e eu diria mesmo a ‘indesejabilidade’, da adaptação literal. (STAM, 2005, p. 03-04)

Ao estudar a obra de Gérad Gennete (1981) sobre a transtextualidade, Stam delineia os parâmetros que vão influenciar uma das atuais tendências para a análise das adaptações fílmicas. O autor de Theory and Practice of Adaptation argumenta que todas as formas propostas por Gennete – intertextualidade, paratextualidade, metatextualidade, arquitextualidade e hipertextualidade são sugestivas para a teoria e a análise da adaptação, porém enfatiza que essa última apresenta aspectos relevantes para o objeto do estudo, uma vez que se refere à relação de um texto (hipertexto) com um texto anterior (hipotexto) que é modificado, transformado, elaborado ou expandido. Para o autor, “Adaptações fílmicas, nesse sentido, são hipertextos derivados de hipotextos pré-existentes que foram transformados por operações de seleção, amplificação, concretização e atualização”[1] (STAM, 2005, p. 31). Evidentemente que o campo de estudos sobre a adaptação fílmica não se limita às relações transtextuais. Aspectos como a linguagem cinematográfica que envolve além dos elementos da narrativa referentes à voz do narrador, focalizador, construções espaço-temporais, as questões técnicas, tais como: iluminação; montagem, corte e edição; som; e, mis-em-scene, também contribuem nesse sentido.

Bran Stoker, as fontes matriciais e o hipertexto
A primeira narrativa gótica sobre as aventuras de Conde Drácula escrita em 1897 por Bram Stoker vai contar, através da perspectiva das personagens, o envolvimento dessas com um ser mítico, cuja lenda tem origem na Europa Central, atual Romênia, e remonta o século XIV. Supostamente baseada em fatos históricos, a narrativa de Stoker explora o tema do vampirismo – a necessidade imperiosa do sangue como alimento e como garantia de vida eterna –, bem como nuances de crueldade utilizadas por Vlad durante sua permanência no trono da Valáquia, as quais  consistiam no uso de  métodos perversos para a eliminação de seus inimigos.
A história do imperador da Romênia é então recuperada por Stoker e a natureza do mal é traduzida na voz do cientista Van Helsing. Nesse sentido, tem-se o que Raul Filker em Mito e Paródia: entre a narrativa e o argumento denomina de modalidade temática direta por escolha deliberada. Para o autor, a escolha de um tema já conhecido objetiva “desenvolver através de interpretação, modificação ou acréscimo, um diálogo com o tema em questão onde a nova voz se privilegia do espaço já ocupado pela antiga, que conta com longa tradição de difusão” (FILKER, 2000, pág. 70).   Segundo a personagem:

Existem criaturas como vampiros; alguns de nós temos evidências de que eles existem. Embora não tenhamos a prova através da nossa própria experiência infeliz, os ensinamentos e as lembranças do passado apresentam provas suficientes para as pessoas sensatas. [...] nosferatu não morre como a abelha quando ele fere alguém. Ele somente se fortalece; e ficando mais forte, tem ainda mais poder para exercer suas forças demoníacas. Este vampiro que se encontra entre nós tem a força de vinte homens juntos; ele é mais esperto do que um mortal, pela sua esperteza ele tem sobrevivido por anos; ele conta com a ajuda da necromancia, o que significa, segundo a sua etimologia, a divinização do ser alcançada pela morte e toda morte que ele pode provocar; ele é irracional, [...]; ele é um demônio insensível, sem coração; ele pode, dentro de suas  limitações, aparecer, de acordo com sua vontade, em qualquer lugar e tempo, na forma que lhe convier; ele pode, dentro dos seus limites,  comandar a natureza: a tempestade, o nevoeiro, os trovões; ele pode comandar todas as formas vivas [...]; ele pode crescer e se tornar pequeno; e às vezes pode desaparecer para depois retornar incógnito. (STOKER, 2007, p. 252) (Tradução livre da autora)[2]


Quando vistos pela perspectiva de Filker, os atos perversos praticados pelo vampiro de Stoker representam a interpretação do romancista para as lutas sangrentas comuns ao período medieval e que determinavam o poder que os conquistadores exerciam sobre seus inimigos. A transposição espaço-temporal para a Inglaterra Vitoriana é outro aspecto presente no romance que confirma o pensamento de Filker e se refere à modificação do ambiente o que vai caracterizar, também, uma tradução cultural.
Nesse contexto, Drácula traz à luz discussões como a forte influência turca sobre os povos da Romênia; a crítica ao colonialismo e à sociedade vitoriana moralista; a duplicidade de caráter, o isolamento de Drácula e a sua incapacidade de sobreviver; fatos e costumes do povo da Transilvânia, uma vez que as personagens retomam elementos medievais na tentativa de eliminar o mal; a busca de evidências reais para explicar a existência de Drácula; a perda de valores ancestrais; a sexualidade expressa pela oposição entre o recato de Mina e o poder de sedução de Lucy, o qual se intensifica na figura de Drácula; o medo do envelhecimento e da morte; as questões envolvendo o misticismo e a ciência, entre outras.
A lenda do príncipe da Valáquia é utilizada no romance de Stoker como fonte matricial e pressupõe uma adaptação, fenômeno esse, que vai se repetir no hipertexto de Coppola. Nas narrativas que fazem uso da tradição oral como fonte principal observa-se a intersecção de elementos comuns que vão caracterizar a recriação do mito, ora pela intertextualidade, ora pela tradução cultural, ou pela recriação propriamente dita.

Relações transtextuais em Coppola´s Dracula
Partindo da premissa de que a recriação, ou conforme salienta Stam “as palavras [...] que iniciam com o prefixo “re” enfatizam a função recombinante da adaptação”[3] (STAM, 2005, p. 25), Coppola além de buscar nas antigas lendas de Drácula a inspiração para sua obra, atua como agente transformador do mito, especialmente quando atribui à personagem características humanas como a sensibilidade, a generosidade, e a capacidade de amar. Para isso, o diretor de Coppola´s Drácula menciona na sequência inicial do filme o fracasso de uma relação do passado. Nesse prólogo, a narração em voz-over anuncia os motivos que levaram o príncipe Vlad a renunciar à religião e optar pela eternidade.
Numa seqüência que reúne, além da voz do narrador, elementos como a música, a qual cria um clima de tensão e suspense em função dos acordes graves de cordas e a batida crescente dos metais, o que representa o estado emocional da personagem ao demonstrar toda a sua ira contra Deus e sua consequente devoção ao demonismo e, ainda o contraste de cores entre a silhueta em negro dos soldados em combate contra um fundo em tons avermelhados, que vai remeter à oposição entre morte e vida, a história é contada – no ano de 1462 o exército turco invade a Romênia e um cavaleiro da Transilvânia, conhecido como Drácula, é convocado para lutar em nome da igreja numa batalha que poderia lhe custar a vida. Ao partir, deixa sua esposa Elisabeta, seu único e verdadeiro amor. Drácula vence a batalha e os turcos indignados enviam uma mensagem à Elisabeta declarando-o morto. Ao retornar, Drácula descobre que sua esposa havia se suicidado e que, portanto, sua alma não teria salvação. Drácula não aceita a justificativa da igreja, e se entrega aos poderes das trevas ao introduzir sua espada no centro da cruz. Drácula ao beber o sangue que verte da cruz é condenado à vida eterna.
Embora a produção de Coppola pertença à categoria dos filmes de horror devido a algumas características apontadas por Linda Williams em seu ensaio “Film bodies: gender, genre, and excess”, tais como, “violência, arrepios, sangue, castração e sadomasoquismo”[4] (WILLIAMS, 2004, p. 219),  o prólogo adicionado pelo cineasta vem favorecer a mudança de gênero, pois apresenta relações intertextuais com o gênero do romance, ou nos termos de Williams, o gênero melodramático, cuja classificação se deve aos pontos que despertam “emoção, choro, aflição e sofrimento”[5] (WILLIAMS, 2004, p. 219). 
As relações intertextuais não se limitam apenas à mudança de gênero, mas se estendem também às homenagens que Coppola presta a F.W. Murnau, Stanley Kubrick e William Friedkin, conforme declara nas gravações feitas para a edição especial do DVD Bran Stoker´s Dracula (2007). Do filme de Murnau, Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922) o diretor recupera a cena em que Drácula levanta do caixão; o sangue que espirra das paredes laterais do quarto de Lucy sobre a sua cama remete ao filme The Shining (1980), de Kubrick e, o vômito de Lucy sobre Van Helsing é uma clara referência à cena do filme de Friedkin, The Exorcist (1973).
A produção do DVD que inclui, além dos comentários de Francis Coppola sobre o filme, trailers e documentários relacionados ao making of, a criação do figurino, efeitos visuais e cortes, enquadra-se no conceito de paratextualidade discutido por Robert Stam, na medida em que a paratextualidade, segundo o autor, “pode evocar todos aqueles materiais próximos ao texto, tais como posters, trailers, revisões, entrevistas com o diretor e outros”[6] (STAM, 2005, p. 28). No plano da hipertextualidade, Coppola lança mão, afora o texto de Bran Stoker, das informações contidas no livro sobre vampiros consultado por Van Helsing. Ali, a personagem descobre a origem de Drácula, sua trajetória de violência, destruição e vitimizações e o poder que exerce sobre a natureza e as mais diferentes criaturas, bem como os meios que devem ser utilizados para que o monstro seja eliminado.
A adaptação fílmica quando vista sob o prisma da transtextualidade amplia os horizontes da obra cinematográfica através de um sistema de signos próprios que a torna independente e possibilita a transformação e a atualização do texto adaptado.  Nesse sentido, a narrativa fílmica conta ainda com outros elementos que determinam a recriação do contexto literário, tais como: temporalidade, enredo, voz do narrador, focalizador, técnicas utilizadas e o mis-en-scene. Como alguns desses aspectos já foram abordados anteriormente neste artigo, o enfoque a seguir será dado no focalizador, no mis-en-scene e nas técnicas utilizadas na produção do filme.
A troca de correspondências entre Jonathan e Mina Harker vai definir a posição do focalizador no filme de Coppola, considerando-se que esse representa o agente que vê e sente as ações, substituindo a voz do narrador no romance. Na narrativa fílmica ora analisada, são três os exemplos de focalização. Nas seqüências iniciais do filme duas realidades distintas são registradas pelas personagens em questão: o mundo sombrio de Drácula e o universo da Inglaterra vitoriana.
É, por exemplo, através do olhar de Jonathan que o espectador percorre os caminhos que levam a personagem até o castelo do conde, conhece o vampiro e seu estranho modo de vida, presencia suas ações e vê reveladas suas emoções que oscilam entre a agressividade e a ternura, especialmente quando vê a foto de Mina e reconhece nela o seu amor perdido. Nesse momento, derrama-se em lágrimas ao mesmo tempo em que sua sombra move-se de modo diferente, fazendo com que seus braços alcancem o pescoço de Jonathan, na tentativa de matá-lo. As projeções em diferentes ângulos da sombra do vampiro vão representar o caráter ambíguo de Drácula, uma espécie de alter-ego disposto a executar o que a personagem não pode ou não consegue. A focalização aqui também engloba as ações e emoções de Jonathan ao adentrar no universo de terror imposto pela criatura e que se estendem até o momento de sua fuga do castelo.
No contexto da focalização, Mina, da mesma forma introduz o espaço ficcional de uma Inglaterra moralista e preconceituosa, lugar de desejos intensos, porém reprimidos, mesmo na pura e recatada jovem que se distrai observando figuras em um livro que mostra casais nas mais diferentes posições sexuais, deixando-a encabulada. Sua amiga Lucy, em contrapartida, expressa claramente, sob o olhar atônito de Mina, sua libido ao comentar que havia experimentado uma das posições durante o sono.
Nessas seqüências iniciais ocorre uma alternância do focalizador (entre Jonathan e Mina), entretanto, na cena seguinte que se desenrola num clima de sedução extrema e Lucy conhece seus três pretendentes, Drácula começa a exercer a função de focalizador. Novamente ocorre uma projeção da sombra do vampiro, porém agora, sobre Mina, demonstrando que os acontecimentos daquela noite estavam sendo observados por ele. A presença do vampiro, sentida por Mina, aumenta a tensão da narrativa e já anuncia a chegada dele à Inglaterra. Esse cenário de angústia vai se repetir enquanto as duas brincam no jardim da casa de Lucy, mas dessa vez o recurso utilizado pelo diretor consiste na sobreposição de imagens – o rosto de Drácula na parte superior do quadro retrata a ação e a emoção das jovens.
A alternância na focalização vai trazer à cena outro elemento importante na revelação do jogo de contrastes no filme de Coppola: a mis-en-scene, definida como o conjunto de elementos pré-existentes à filmagem. Se por um lado, a câmera mostra o ambiente decadente e sem vida do castelo de Drácula, como por exemplo, a sala parcamente decorada onde é servido o jantar a Jonathan, e os objetos ali colocados e iluminados apenas pela luz das velas, remetem ao passado distante do conde; por outro, destaca a opulência da casa de Lucy, ricamente decorada e com plantas espalhadas por todos os cantos expostas a uma luminosidade intensa que demonstram a vivacidade do ambiente.
As seqüências acima descritas antecipam a partida de Drácula da Transilvânia que ocorre após uma discussão entre ele e Jonathan. A transição espaço-temporal entre o momento de despedida de Drácula de sua morada e sua chegada à Inglaterra é marcada pelo efeito de escurecimento gradual da tela (fade out) em que era mostrado o rosto do conde em primeiro plano. Em seguida a tela se abre (fade in) para mostrar no detalhe a carta que Mina recebera de Jonathan, justificando sua ausência. Drácula aproxima-se de Londres durante uma tempestade e sua contundente chegada é narrada em voz-over. Considerado pela crítica um dos momentos crucias da narrativa, especialmente porque instaura a desordem num ambiente regido pela ordem, a cena foi filmada, segundo o diretor, utilizando uma antiga máquina conhecida como moviola, a imagem em preto e branco e a música que começa suave, com toques de uma harpa e se intensifica com a batida dos metais à medida que o navio fica mais próximo do porto traduzem a atmosfera de pesadelo e prenunciam os infortúnios que passarão as personagens dali em diante. A primeira vítima de Drácula é a jovem Lucy, que sob o olhar incrédulo de Mina, protagoniza uma tórrida cena de sexo com a criatura que assume as feições de um animal.
O encontro entre Drácula e Mina vai sugerir, através dos recursos utilizados na sua produção, além de uma homenagem ao cinema mudo devido à velocidade acelerada que é mostrada na projeção, a ansiedade do reencontro com a amada. Drácula tem pressa em concretizar seu amor e acabar com a solidão e a tristeza que o perseguem por séculos. Esse encontro define também a proposta de adaptação de Coppola, ou seja, transformar e acrescentar na narrativa gótica de Stoker uma atmosfera de romance e, é com esta postura que o diretor leva a termo o amor de ambos. Após ter sido seduzida por Drácula, Mina finalmente se entrega à paixão, numa cena em que ela, ao perceber a hesitação do conde em transformá-la numa morta-viva, perde a timidez e lança-se no universo das trevas. O êxtase do ato sexual é metaforicamente representado pela troca de sangue entre eles.  A ameaça que a partir daquele momento paira sobre Mina, leva seus amigos a empreenderem uma caçada ao vampiro. E nesse ponto é importante ressaltar a intertextualidade nas cenas de perseguição, que parodiam, de certa forma, os filmes de western americanos, com viagens de trem, perseguições a cavalo a diligências, tiros, mortes e uma mocinha esperando para ser salva.
Na última seqüência do filme em que Mina finalmente liberta Drácula de sua maldição, Coppola interpreta a máxima do amor romântico, ou seja, de que o amor só é realizado após a morte.

Conclusão
O filme de Francis Ford Coppola trabalha principalmente as polaridades, as quais se evidenciam nos jogos de luz e sombra, na luta entre vida e morte e amor e ódio, embalados pela criatividade do cineasta que consegue transformar o mito de Drácula, até então encarado como um monstro na literatura, num ser com características humanas, mostrando que a recriação, enquanto adaptação fílmica, pode mesclar gêneros distintos, num sistema próprio em que tanto as relações intertextuais quanto as técnicas cinematográficas ajudam na construção do sentido da narrativa.

Referências
FILKER, Raul. Mito e paródia: entre a narrativa e o argumento. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000

MCFARLANE, Brian. Novel to Film: an introduction to the theory of adaptation. Oxford: Clarendon Press, 1996.

STAM, Robert. Literature Through Film: realism, magic, and the art of adaptation. Maldeon (USA): Blackwell Publishing, 2005.

______. Literature and Film: a guide to the theory and practice of film adaptation. Maldeon (USA): Blackwell Publishing, 2007.

STOKER, Bran. Dracula. London: Penguim Books, 2007.

Williams, Linda. “Film Bodies: Gender, Genre, and Excess.” In Film Theory and Criticism, edited by Leo Braudy and Marshall Cohen. Oxford: Oxford University Press, 2004.




NOTAS

[1] “Filmic adaptation, in this sense, are hypertexts derived from pre-existing hypotexts which have been  transformed by operations of selection, amplification, concretization, and actualization”
[2] There are such beings as vampires; some of us have evidende that they exist. Even had we not the proof of hour unhappy experience, the teachings and the records of the past give proof enough for sane people [...] The nosferatu do not die like the bee when he sting once. He is only stronger; and being stronger, have yet more power to work evil. This vampire which is amongst us is of himself so strong in person as twenty men; he is of cunning more than mortal, for his cunning be the growth of ages; he have still de aid of necromancy, which is, as his etymology imply, the divination by the dead, and all the dead that he can come nigh to are for him at command; he is brute, [...]; he is devil in callous, and the heart of him is not; he can, within limitations, appear at will when and where, and in any of the forms that are to him; he can, within his range, direct the elements: the storm, the fog, the thunder; he can command all the meaner things: [...]; he can grow and become small; and he can at times vanish and come unknow.  (itálico do autor)
[3] “the words [...] beginning with  the prefix “re” emphasize the recombinant function of adaptation”
[4] “violence, shudder, blood, castration [and] sadomachism”
[5] “emotion, sob, woe [and]  masochism”
[6] “paratextuality” might evoke all those materials close to the text such as posters, trailers, reviews, interviews with the director, and so forth.”