Resumos. Ensaios. Artigos. Resenhas. Análises. Críticas.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A SIMBOLOGIA DA PAIXÃO PELO CONHECIMENTO EM AQUELES CÃES MALDITOS DE ARQUELAU


Para se falar do objetivo do autor ao escrever uma obra, deve-se inicialmente pensar na lógica do texto, ou seja, no seu sentido e como é construído. Há, também, que se pensar no receptor desse texto, o leitor, e as inúmeras interpretações resultantes da leitura.  Isaias Pessoti elabora um texto baseado na recuperação do passado através da pesquisa e afirma em entrevista a Edmundo Barreiros que seu primeiro romance saiu por desaforo. Pessoti, ao justificar sua resposta do porque escrevia, esclarece que:

Estava muito irritado com o que aconteceu com Euirípedes, que foi injustiçado em vida porque incomodava o poder e o status quo. Era quase subversivo e foi banido da história da filosofia. O saber tem essa função: a de redimir as injustiças e botar na defensiva os dogmas do momento.

            Depreende-se, portanto, que o ideal do autor é reescrever a história priorizando a alma humana e o saber. Dessa forma, desconstrói a ideia da verdade absoluta, na medida em que o homem põe em dúvida a própria existência e o resultado conquistado através de suas pesquisas, ou seja, se a existência humana depende da busca pelo conhecimento é imprescindível destacar que esse se  renova constantemente, o que se sustenta pelas palavras de Beatrice ao explicar a Mauro a digestão dos mamíferos:

... Quando se diz que na ciência não há gênios, faz-se referência à inexorável progressão do conhecimento, quando balizado pela lógica de um lado e pela realidade objetiva, de outro. Há quem diga que esse determinismo do saber pode aplicar-se aos conceitos da teoria, como as hipóteses e dados que elas geram. Mas não à criação de técnicas novas de experimentação. (PESSOTI, 1993, p. 37)

            O conhecimento para o autor seria, então, um labirinto a ser percorrido em busca da verdade  que envolve histórias de poder, intrigas, morte e traição, o que fica claro pela presença de personagens históricas, como Eurípedes. O dramaturgo é descrito pelo narrador como “brilhante nas ideias, crítico e honesto em seu pensamento, pronto a muda-lo quando a  verdade assim exigiu” (p. 108). Para Pessoti, tais atitudes levaram-no ao declínio devido á inveja dos poderosos.

            O conhecimento para o autor está relacionado à paixão, a qual se torna o objeto de sua obra, pois segundo ele a paixão é legitimada como componente humano. Pessoti estabelece um paralelo entre a paixão e a razão, enfatizando o domínio da primeira sobre a segunda, sugerindo que a paixão é fundamental para que se entenda as mudanças de comportamento na sociedade ocidental. Ao ser entrevistado pela EPTV, declara que a ciência e a razão trabalham para minimizar o risco de acidentes e da incompreensão, além de dar graça à vida e à pesquisa. Nesse contexto, tece a trama de sua obra criando símbolos para traduzir a paixão pelo conhecimento. Dentre eles, destacam-se as figuras do tradutor, do erudito, do enigma e do detetive e do leitor. Todos esses elementos entrelaçados dão vazão à compreensão de Pessoti sobre a paixão e o saber .e cada um representa o universo acadêmico se partirmos do pressuposto de que toda pesquisa precisa necessariamente que se estabeleça uma hipótese a ser respondida por um pesquisador/detetive e que essa normalmente é um enigma, pois nem sempre o pesquisador sabe a que ponto chegará a sua proposição. Por mais conhecimento que possua em determinada área ou quanto mais erudito for, ao percorrer os caminhos da pesquisa sempre irá se deparar com algum elemento novo que poderá responder seus questionamentos. No texto de Pessoti (p. 107) há uma passagem que ilustra essa paixão pelas descobertas na fala do tradutor ao ser convidado para visitar a villa e rever o retrato do bispo

... eu me conheço: não vou conseguir fazer coisa alguma enquanto não souber quem é esse nosso bispo inconformista. Começarei descobrindo o que ele pensa. É um passo.

Lorenzo acha que o retrato do bispo na biblioteca da villa pode revelar muito sobre ele. ...

Vamos cercar o problema por todos os lados. Qualquer pista pode servir. (PESSOTI, 1993)

O bispo vermelho representa a reconstituição da história de Eurípedes pela escritura do Commentarium e é  descrito pelo autor como sedutor “... não penetrem na alma desse bispo vermelho. É a sedução dele que fascinou vocês.” (p. 104). Novamente, surgem as discussões sobre a paixão em seus diferentes sentidos, primeiro pela pesquisa, pela paixão carnal e pelos sabores retratados na história através dos grandes banquetes.

            Também para construir sua obra e tratar da paixão, Pessoti utiliza conceitos da filosofia, da arte, da psicologia e da história, dentre outros. Segundo Thiago Zatti, o autor  

constrói seu texto apontando as relações entre o espírito humano e o saber, demonstrando como a descoberta (principalmente seu processo), a ciência, o saber, são frutos das paixões e da intempestividade do espírito humano. Neste sentido, a erudição apresentada aqui não serve per si (ZATTI)

            Isaias Pessoti, pesquisador confesso e apaixonado pelos mistérios e meandros da pesquisa, elabora um tratado sobre essa, construindo suas  personagens como verdadeiros detetives que aproveitam qualquer pista para solucionar seus enigmas. Um pesquisador apaixonado pelo seu objeto vale-se da leitura de diferentes gêneros textuais, da sabedoria popular, da erudição e do trabalho em equipe para decifrar enigmas, questionamentos e hipóteses a fim de encontrar uma explicação e defender o que ainda não foi dito ou ainda segundo o narrador:

Mas nós farejávamos significados em qualquer coisa, imagem, palavra. Nosso divertimento, agora vejo bem, era encontrar significados para o que a nossa busca. Cada detalhe (...) tinha(m) que compor um mosaico, uma história coerente e verdadeira. Mas havia também, inútil negar, a paixão (...). (PESSOTI, 1993, p. 213)

            Conclui-se, assim, que embora o papel do pesquisador possa estar associado à razão, é a paixão que o conduzirá a um resultado assertivo no final.

Pelas razões acima apresentadas, a leitura do romance desperta em qualquer leitor o prazer e a paixão pela pesquisa, instigando-o a desenvolver projetos que preencham lacunas e contribuam para o desenvolvimento humano e suportem todos os tipos de conhecimento, desde o empírico até o científico.

 Dessa forma, portanto, pretendo desenvolver minha tese, pois o romance em questão apontou para diferentes caminhos a serem trilhados e principalmente para a paixão pela pesquisa.

A obra, embora contribua para iluminar a pesquisa, requer uma ou várias leituras minuciosas para entender os mistérios apresentados pelo autor. Salienta-se que essas leituras  podem se estender a qualquer texto.

Como texto literário, passível de análises e críticas literárias, destaca-se o mise-en-abyme, característico do romance pós-moderno, o que de certa forma pode dificultar a leitura, pois não se trata de uma narrativa linear e o leitor precisa se centrar nas diferentes histórias para compreensão do texto. Outro recurso frequentemente utilizado pelo autor é o deus ex machina. Por se tratar de um texto literário, é aceitável. Porém, sabe-se que em uma pesquisa científica nem sempre as soluções surgem com a mesma rapidez. Isso, no meu ponto de vista, descaracteriza o mote do autor ao tratar da pesquisa.

Conclui-se  esta análise com as palavras do narrador.

A nossa investigação, embora desordenada, era fecunda e até segura. Ela não seguia um método. Seguia uma paixão. E pensei então que a objetividade talvez seja o melhor caminho para descobrir e explicar conceitos ou doutrinas. Mas quando se trata de descobrir e entender figuras do passado, pessoas, uma certa dose de paixão ilumina detalhes que a mera racionalidade não enxerga. (PESSOTI, 1994, p. 213)

 

 

REFERÊNCIAS

 

BARREIROS, Edmundo. Jornal do Brasil. Disponível em http://www.tirodeletra.com.br/porque/IsaiasPessotu.htm. Acesso em 15/março/2017.

 

PESSOTI, Isaias. Aqueles cães malditos de Arquelau. São Paulo: Editora 34, 1993/1994.

 

ZAIDAN, Rubens. EPTV Comunidade entrevista Isaias Pessoti. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7MF2ZYX-HqU. Acesso em 20/março/2017.

ZATI, Thiago. Resenha – Aqueles cães malditos de Arquelau. In: Luzes Artificiais; Disponível em http://luzesartificiais.blogspot.com.br/2007/01/resenha-aqueles-ces-malditos-de.html. Acesso em 15/março)2017