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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

EÇA DE QUEIRÓS E A CRÍTICA AO ROMANTISMO

       
Paraguassu de Fátima Rocha

  Eça de Queirós representa o marco do Realismo-naturalismo português que tinha como um dos principais objetivos libertar o povo da mentalidade romântico-cristã, apresentando novas idéias filosóficas e cientificas, dentre as quais destacam-se o determinismo e o darwinismo no Realismo, e a preferência por temas patológicos, o objetivismo cientifico e a impessoalidade no Naturalismo.
            Seguindo essas tendências, o autor cria em suas obras, personagens capazes de combater os princípios românticos como a idealização do herói e da mulher, e a perspectiva do amor como redenção.
            Em O crime do padre Amaro (2004), além da crítica aos costumes sociais e ao clero, Eça de Queirós apresenta a personagem Amélia que ainda apresenta algumas características românticas como o sentimentalismo – é descrita como romântica e sonhadora. Sua educação religiosa, no entanto, a faz acreditar em Deus como um ser punitivo “que só sabe dar sofrimento e morte, e que é necessário abrandar os padres”. Em função disso, entrega-se a Amaro, não por amá-lo como homem, mas sim pelo que a figura dele representava. O casamento é outro aspecto abordado na obra de Eça de Queirós. Enquanto no romantismo ele representava a proteção contra o surgimento de problemas e era o objetivo principal dos apaixonados, no realismo ele surge como uma proposta de estabilidade social, fato comprovado pelo comportamento da jovem Amélia ao aceitar o pedido de casamento de João Eduardo, mesmo sem demonstrar o menor interesse por ele. Finalmente, tem-se a fragilidade da personagem, pois era frequentemente acometida de febres e falta de apetite, especialmente diante de situações conflitantes.
            Poderia uma heroína romântica entregar-se tão completamente aos instintos biológicos apregoados pelo Naturalismo? Não, e é dessa forma que o autor estabelece a sua crítica direta ao romantismo, pois além de criar um anti-herói, representado por Amaro, transforma Amélia numa personagem alienada e ingênua que vê sua vida arruinada devido a sua educação religiosa. E mesmo a morte da personagem não se enquadra nos princípios românticos, ou seja, a consequência de um amor impossível. O que prevalece é a teoria da seleção natural em que os mais aptos sobrevivem, enquanto os mais fracos são eliminados, ao se pensar no final dado a Amaro que sai ileso dos crimes que cometera.  O motivo da morte de Amélia não é revelado no romance, e acredita-se que tenha sido essa uma estratégia do autor para não se posicionar favoravelmente ao darwinismo.
            Como crítica ao romantismo tem-se ainda outros personagens que são retratadas de forma patética, como, por exemplo, Arthur ao interpretar uma canção romântica, expressando-se de forma sentimental e lúgubre, ou mesmo o Tio Cegonha, apresentado como um personagem do romance picaresco, no qual o personagem principal é uma pessoa ridícula, “Chamavam-lhe Tio Cegonha, pela sua alta magreza e o seu ar solitário.” E finalmente, a referência a palavra spleen (melancolia), muito usada pelos românticos. Em uma conversa entre João Eduardo e Gustavo, este lhe sugere que abandone o spleen e se estabilize.
            Nos seus contos, Eça de Queirós também apresenta  a tendência de estabelecer críticas ao romantismo, muitas vezes de forma irônica e irreverente. A temática central adotada por ele é a critica aos  sentimentalismos e à escola romântica, seja pelo aspecto ilusório da mulher ou pela degradação do ser humano através das leituras românticas e, finalmente, o pessimismo representado pelo vício em alguns personagens.
           Macário, o protagonista do conto “ Singularidades de uma rapariga loura”, tem uma construção realista, como é possível perceber neste trecho: “(...)porque os Macários eram uma antiga família, quase uma dinastia de comerciantes, que mantinham com uma severidade religiosa a sua velha tradição de honra e de escrúpulo. Macário disse-me que nesse tempo, em I823; ou 33, na sua mocidade, seu tio Francisco tinha, em Lisboa, um armazém de panos, e ele era um dos caixeiros. Depois o tio compenetrara-se de certos instintos inteligentes e do talento prático e aritmético de Macário, e deu-lhe a escrituração. Macário tornou-se o seu «guarda-livros».” Contudo seu autor, Eça de Queirós não “consegue se livrar” da presença desses elementos. De antemão faz uma referência a Goethe, um escritor clássico (e porque não considerá-lo um dos fundadores) do romantismo (“Estas pequenas cortinas datam de Goethe e elas têm na vida amorosa um interessante destino: revelam”).
             O exagero era uma característica romântica. Eça utiliza-se desse recurso nesse conto de uma maneira degradante. Não se exagera o sentimentalismo. Antes, isso o aflige, torna-se de certa forma um estorvo em sua vida (“onde estava todo o romance impaciente dos seus nervos”). Também é aniquilando todo e qualquer resquício maniqueísta (“O seu trabalho tornou-se logo vagaroso e infiel e o seu belo cursivo inglês, firme e largo, ganhou curvas, ganchos, rabiscos [...]” que podia ser encontrado em um personagem como Macário.
            A fé que também era valorizada no romantismo não “passou em branco” aos olhos de Eça, que também era bastante crítico no tocante a religião:” Foi um beijo [...] mesmo porque a única testemunha foi uma imagem em gravura da Virgem, que estava pendurada no seu caixilho de pau-preto, na saleta escura que abria para a escada...  Um beijo fugitivo, superficial, efêmero. Mas isso bastou ao espírito reto e severo para o obrigar a tomá-la como esposa, a dar-lhe uma fé imutável e a posse da sua vida”. Percebe-se uma banalização em primeira mão do momento romântico criado. No romantismo a natureza era de certa forma uma testemunha de um amor infindável. Porém há uma quebra nessa ideia romanesca, pois a única testemunha desse beijo é uma imagem que por estar em uma sala escura “não consegue enxergar” o momento sublime para Macário, momento esse que fora descrito como passageiro, vazio, sem valor, atacando assim não só a fé romanesca mas mais uma vez o sentimentalismo. 
            No livro Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett também se encontram críticas ao romantismo, mas uma em especial: “Todo o drama e todo o romance precisa de: Uma ou duas damas. Um pai. Dois ou três filhos, de dezenove a trinta anos. Um criado velho. Um monstro, encarregado de fazer as maldades.”
          Eça baseia-se em alguns elementos descritos no livro de Garrett. As duas damas são Luísa e sua mãe. O tio Francisco é como se fosse o pai, autoritário, ao não consentir com seu casamento com Luísa. Macário assume em si mesmo, ora o papel de “herói” lutando pelo amor que o impulsiona a prosseguir ora o de “donzela” tomado pelo desespero e pelo choro
          O romantismo tinha também um apreço, um gosto do pitoresco, do exótico. Que é veementemente criticado por Eça, pois Macário quando viaja para Cabo Verde, ao invés de encontrar paisagens pitorescas,  encontra  muito trabalho e sofrimento que por fim venceu. Muitas outras críticas são feitas nesse conto e com tal seriedade que parecem pertencer a era romântica, entretanto trata-se de uma obra do período romanesco.
          No conto “No moinho” fica bastante evidente a falta de coerência, pois marca o “caminho inicial”, que vai desde a “senhora modelo” até a “mulher promíscua”, criando assim, uma ambigüidade, já que nos referimos a uma mesma personagem. Inicialmente, a mulher modelo vive única e exclusivamente para cuidar do marido inválido e dos filhos doentes. Em dado momento, essa mesma mulher vive entre devaneios, pensando até mesmo em apressar a morte do marido, deixando os filhos sujos e sem comida até tarde. Torna-se uma mulher promíscua. Não podemos deixar de salientar que toda essa mudança de caráter foi provocada por um simples beijo de seu primo. Tudo isto vai ao encontro da visão romântica tida como politicamente correta. Não há sequer um final feliz, muito comum nesse estilo.
              Apesar da variação temática, pode-se perceber no conto de Eça uma grande preocupação com as dores humanas. Seus personagens são normalmente tristes, alguns incrédulos ou céticos, outros ingênuos, entretanto são sempre atormentados.
Extremamente crítico, dominando uma prosa ágil e irônica, Eça traçou em suas obras retratos da sociedade portuguesa da época.
A crítica ao ultra-romantismo também está presente no conto “José Matias”, pois esse ao se apaixonar por Elisa, limita-se a contemplá-la sem nada fazer para realizar o seu amor. Isso faz com que se entregue à bebida e seja vítima de uma confusão mental de amor e idolatria, caindo, portanto, num processo de degeneração.
Nesse conto fica evidente a análise do comportamento humano, pois o narrador frequentemente refere-se as atitudes de seus personagens como parte de seus estudos, traduzindo assim a tendência do Realismo para a investigação psicológica.
Para Eça de Queiroz, nas transformações ocorridas em função das tendências Real-naturalistas não há espaço para idealizações, contemplações e sentimentalismos, e aqueles que têm sua vida perturbada por fatores externos passam a sofrer consequências sociais, morais e do meio em que vivem, transformando-se em marionetes nas mãos do destino.
REFERÊNCIAS
CEREJA, W.R et all. Português Linguagens. São Paulo: Atual, 1999.
MOISES, M. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix.., 1999.
GARRET, A. Viagens na minha terra. São Paulo: Martin Claret, 2003.
“No moinho”. Disponível em: http://www.feranet.21.com.br. Acesso em 09 nov. 2004.
O Crime do Padre Amaro. Disponível em: http://www.mundocultural.com.br
QUEIRÓS, E. O Crime do Padre Amaro. São Paulo: Martin Claret, 2004.
QUEIRÓS, E. Os melhores contos de Eça de Queirós. São Paulo: Círculo do Livro
Singularidades de uma Rapariga Loura. Disponível em: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/ensino/caract_romant.htm. Acesso em 06 nov. 2004.






           

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