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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A BUSCA DE SI MESMO EM "A HISTÓRIA DE UM HOMEM' DE SHERWOOD ANDERSON

          
Paraguassu de Fátima Rocha

            Conto metaficcional, no qual o narrador-personagem relata sua experiência como jornalista ao tentar desvendar o comportamento do personagem representado por Edgar Wilson, cujo passado é envolto em mistérios,  pois se desconhece sua origem e também o que se passara em sua vida até a chegada a Kansas. Kansas e a cidade de Chicago constituem o espaço no qual as  histórias acontecem. Trata-se, portanto, de uma história inserida em outra.
            O narrador, ao longo da história, foge da linguagem jornalística e tenta realizar uma análise subjetiva dos acontecimentos “Seja como for aí vai a história, uma história como se gosta de contar, de fio a pavio, sem emprêgo da gíria jornalística (...)”. O que de fato o intriga é a total alienação de Edgar Wilson  no tocante ao crime que tirou a vida de sua mulher. Essa curiosidade está presente em todo o conto, no entanto, não é apresentada uma conclusão por parte do narrador, considerando-se ele mesmo incapaz de explicar tal comportamento, “Parece ao leitor tudo isso mui emaranhado, não é verdade? Talvez. E’ possível que a mente de quem me lê seja mais clara do que a minha; que aos outros se afigure muito simples o que a mim se apresenta cheio de dificuldades.” O que se percebe é que o narrador está preparado para formatar uma notícia e não fazer uma análise psicológica do personagem em questão. Ficando clara uma característica marcante do jornalismo que é a curiosidade, que se consideraria aqui, além do motif do conto, também como um arquétipo da profissão.
            Entretanto, há uma tentativa de entender o movimento interior do personagem Edgar Wilson, caracterizando-se assim o enredo psicológico. Para tanto, o narrador faz uso dos poemas escritos por esse personagem, que mostram o que ele  pensava a respeito de si mesmo e do mundo que o cercava. Edgar Wilson, de acordo com seus poemas era uma pessoa egoísta e sombria, pois um dos termos recorrentes da poesia do personagem são os poços fundos, que podem ser considerados como uma via de comunicação com a morada dos mortos, segundo o Dicionário de Símbolos. Nas linhas de seus poemas é possível vislumbrar  o que Clarice Lispector costumava chamar de “costurar por dentro”,  referindo-se a busca interna do personagem.
            Wilson é definitivamente um personagem introspectivo e o leitor, ao ler sua historia, pode ver-se nela. Naturalmente, não com relação ao assassinato, mas com a busca que cada pessoa faz em sua vida.  Alguns não sabem o que estão procurando, outros têm essa consciência, entretanto não sabem exatamente o que buscam.
            O texto não é claro com relação a isso, mas essa poderia ser uma das razões que levaram sua mulher a se apaixonar por ele. Também não é mencionado, entretanto, o leitor pode considerar que ela tinha os mesmos questionamentos, as mesmas dúvidas e a mesma busca interior de  Wilson. Atualmente, o ser humano  busca por algo que não sabe o que é exatamente. Muitas vezes, voltam sua busca para  valores materiais, entretanto quando encontram, percebem que estão vazios por dentro sem conseguirem resolver seus problemas internos.
            Edgar reagiu de uma maneira completamente inusitada. Como ele não percebeu que sua mulher fora atingida por um tiro. Como não notou que ela estava sangrando e precisava de cuidados médicos? Esse é o retrato de como a sociedade reage a algumas situações. Há algumas hemorragias que são como buracos, e tendem a ser ignoradas. A pobreza, a violência, a fome, por exemplo, mostram o quão apática é a sociedade. Naturalmente, esses problemas não podem ser considerados diretamente como culpa da sociedade, mas sim uma força negativa que habita o coração do homem.  Contudo, ela poderia fazer alguma coisa para diminuir esses problemas, assim como o personagem quando se viu diante daquela situação. O comportamento mais adequado e nobre de um marido apaixonado seria proteger a pessoa que ama, mesmo que isto soe como romântico, e até mesmo utópico nos dias de hoje, é o que se esperava que ele fizesse. No entanto, como se estivesse vivendo em outra dimensão, permitiu que ela morresse como um animal, sem nenhum socorro. “Pode um homem ser indiferente e brutal, na aparência, quando o indivíduo que lhe é mais querido está moribundo – (...)”. É assim que a sociedade reage, fazendo a mesma coisa que Wilson fez, fechando seus olhos e permitindo que aconteçam coisas que não são dignas para nenhum ser humano.
            Outro aspecto importante a ser considerado nesta análise, é o ambiente descrito pelo narrador, pois está diretamente ligado aos conflitos internos do personagem. Edgar Wilson mudou-se para a Chicago com sua mulher e viviam num lugar bastante descuidado, um pouco pela ação do tempo e também pela falta de interesse de seus habitantes em conservá-lo e melhorar sua aparência. “O bairro (...) era composto todo de velhas casas transformadas, em cujas janelas se viam incríveis cortinas de rendas, muito sujas. Algumas paredes ameaçavam franca ruína; precisamente numa dessas morava Wilson  com a amante.” Além de Wilson e a amante, morava neste prédio também outra mulher que representa uma das fontes do narrador na tentativa de desvendar o mistério que envolvia a vida daquele personagem.
            No transcorrer do conto o narrador faz uso de flashbacks, caracterizando assim o tempo psicológico do conto. A narrativa tem início em Chicago onde vivia o narrador-personagem e onde ele toma conhecimento da existência de Wilson. Para apresentar a amante desse personagem ele volta no tempo para a cidade de Kansas, onde ela morava e conheceu Edgar. Esse recurso é utilizado ao longo de toda a narrativa, uma vez que o narrador vai inserindo elementos pertencentes ao passado com o intuito de elucidar sua investigação.
            Neste conto, a vida do narrador parece estar ligada à do personagem, pois embora seu objetivo fosse entender o que se passava com Edgar Wilson, percebe-se também a necessidade daquele em encontrar um sentido para sua própria vida.

REFERÊNCIAS

ANDERSON, Sherwood. História de um homem. In: Primores do Conto Universal – Contos Norte-Americanos.  São Paulo: Edigraf. p. 157-172.
GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas.  7a. ed. São Paulo: Ática, 2002. 70 p.
CHEVALIER, Jean, GHEEBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números.  Com a colaboração de André Barbault et al. 9a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.

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