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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

ANÁLISE DO POEMA "O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL" DE CESÁRIO VERDE

      
Paraguassu de Fátima Rocha

A análise do poema “O sentimento dum ocidental” de Cesário Verde revela aspectos comuns às artes plásticas, sendo que essas apresentam, segundo Coleridge citado por Bosi (1991, p. 31), uma imaginação construtiva, ou seja, uma estrita relação entre o conhecimento do mundo e a construção original de outro mundo.
            Isto fica evidente no poema composto por estrofes de quatro versos, dividido em quatro partes de onze estrofes, através das quais o poeta faz um passeio pelas ruas de Lisboa, inaugurando uma descrição simbólica do espaço vivo da cidade.
            Na primeira parte do poema, cujo título, “Ave Maria”, sugere o cair da tarde e o  início da noite, momento no qual as pessoas se reuniam para fazer suas orações, o eu poético inicia sua caminhada, fazendo uma descrição objetiva da cidade, sem contudo deixar de transparecer suas impressões interiores. Observa-se isto nas primeiras estrofes:
                                   Nas nossas ruas, ao anoitecer,
                        Há tal soturnidade, há tal melancolia,
                        Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
                        Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
                                   O céu parece baixo e de neblina,
                        O gás extravasado enjoa-me, perturba;
                        E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
                        Toldam-se duma cor monótona e londrina.
            Já na terceira estrofe, percebe-se que o eu lírico busca um paraíso que não se encontra em sua cidade, mas em outros lugares como as importantes capitais da Europa, e que o povo português tem se dedicado ao longo de sua história a viagens e partidas para outros mundos.

                                   Batem os carros d’aluguel, ao fundo,
                        Levando à via férrea os que vão. Felizes!
                        Ocorrem-me em revista exposições, países:
                        Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo,  o mundo!
            Na quarta estrofe, o eu poético faz com que os andaimes se assemelhem à gaiolas e os carpinteiros se parecem com morcegos, retratando novamente a relação entre o mundo conhecido e o mundo construído pelo poeta.
            O eu lírico do poema se depara com transformações, as quais revelam uma cidade escondida pela escuridão e que com o surgimento da iluminação provocam impressões novas e o levam a criar imagens diferentes voltadas para a realidade.
            Na quinta e sexta estrofes, percebe-se que o eu poético, atingido pela maresia evoca as crônicas navais e seus heróis e faz menção ao couraçado inglês, o qual representava o domínio estrangeiro sobre Portugal.
            Constata-se também um jogo de tempo e espaço, entre as primeiras horas da noite (Ave Maria) até a madrugada (Horas Mortas), mostrando as transformações por que passa a cidade em diferentes momentos da noite.
            Cesário Verde trabalha com tipos característicos da cidade e principalmente com o universo feminino, revelando sua posição e situação na época. Em “Ave Maria” tem-se as mulheres trabalhadoras que as seis horas vão para casa como muitas outras.
“...Reluz viscoso, o rio, apressam-se as obreiras, E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras, Correndo com firmeza, assomam as varinas”. Conhece-se também em “Noite Fechada”, as costureiras e floristas, mulheres que ficavam na varanda conversando:
                                   E mais: as costureiras, as floristas
                        Descem dos magasins, causam-me sobressaltos,
                        Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
                        E muitas delas são comparsas ou coristas.
Na terceira estrofe de “Ao gás”, o autor retrata as burguesinhas do Catolicismo, aquelas que rezam, jejuam, fazem penitências quando as luzes se acendem.
                                   As burguesinhas do Catolicismo
                        Resvalam pelo chão minado pelos canos;
                        E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
                        As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
E também aparecem as madames da sociedade, as quais até o surgimento da luz não eram vistas nas ruas durante a noite, e as retrata de maneira pouco simpática, pois para o eu lírico, estas mulheres eram cheias de luxos, porém sem conteúdo e nada verdadeiras.
                                   Que grande cobra, a lúbrica pessoa,
                        Que espartilhada escolhe uns chales com debuxo!
                        Sua excelência atrai, magnética, entre luxo,
                        Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.
E finalmente, aparecem as prostituas em “Horas mortas”, as únicas a permanecerem na rua até de madrugada, sujeitando-se a todo tipo de situação ameaçadora.
                                   E nestes nebulosos corredores
                        Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas,
                        Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
                        Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
            Em “Noite Fechada” tem-se o primeiro momento da iluminação em que as sensações internas do eu poético  ‘Tão mórbido me sinto,...’ se contrapõe ao mundo externo ‘ao acender das luzes’ , segunda estrofe, revelando um estado de espírito negativo, o qual muda na estrofe seguinte, pois o eu lírico parece colorir “andares, tascas, cafés, tendas e estancas”, mostrando uma visão mais positiva da realidade.
            Os versos finais de “Noite Fechada” revelam um momento de introspecção do eu lírico , pois mesmo deparando-se com imagens novas, pessoas e situações, constata sua solidão.
                                   E eu, de luneta de uma lente só,
                        Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
                        Entro na brasserie; as mesas de emigrados,
                        Ao riso e à crua luz joga-se dominó.
            A terceira parte do poema, “Ao gás” retrata o momento em que a luz que vem do gás se torna necessária para que o comércio continue aberto, para que as damas da sociedade façam suas compras e que a miséria seja revelada tal como ela é, através de prostitutas e mendigos.
            Cesário Verde descreve ainda as sensações  que a cidade desperta no eu lírico, como o olfato “E de uma padaria exala-se, inda quente/Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.”, o tato, “Desdobram-se tecidos estrangeiros” e a visão, “Plantas ornamentais secam nos mostradores:”
            A metalinguagem também está presente no poema de Cesário Verde, como na quinta estrofe:
                                   E eu que medito um livro que exacerbe,
                        Quisera que o real e a análise mo dessem...”
            Em “Horas Mortas”,  é madrugada e estão nas ruas somente os boêmios, os soldados e as prostitutas, e ainda assim o poeta se permite sonhar. Ele sonha com a volta do poder de Portugal e a vontade incontida do povo português de conquistar novos mundos.
                                   Ah! Como a raça ruiva do porvir,
                        E as frotas dos avós, e os nômades ardentes,
                        Nós vamos explorar todos os continentes
                        E pelas vastidões aquáticas seguir!
            Porém isto dura apenas um momento, pois logo em seguida o eu lírico se volta para a realidade de uma cidade que é ao mesmo tempo prisão, hospital e cemitério, com se verifica na sétima estrofe:
                                   Mas se vivemos, os emparedados,
                        Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
                        Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
                        E os gritos de socorro ouvir estrangulados.
            “O Sentimento dum ocidental” mostra um poeta espantado e prisioneiro de uma cidade moderna, criador de uma variedade de tipos humanos prontos a brilhar em meio a cores sóbrias das ruas. O eu lírico deslumbrase com aquilo que o faz sofrer, mas se revolta com a miséria e a degradação social, resultado da revolução industrial.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1985.
VERDE, Cesário. (2001)  “O sentimento dum ocidental”. In: Poesia Completa, 1855-1866. Lisboa: Dom Quixote.





12 comentários:

  1. Excelente analise!
    Parabéns!

    Abraços,
    Lu
    http://olharacreano.blogspot.com/

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  2. Boa análise, mas as referências deveriam aparecer no corpo do texto, não apenas no final.

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  3. NEM TODO O HOMEM É UM SER PENSANTE, MAS CUIDADO COM O CESARIO, TENDO EM CONTA ESTE POEMA CESARIO ERA UM GOLFINHO

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  4. Só não concordo com a parte do Golfinho.

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  5. "DESCULPEM-ME POR ME CONTRARIAR, MAS HOJE ESTOU MEIO VIRADO PARA AS PEDRAS." - IMANUEL CANTE 1745

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Com esse comentário vocês mostram que pensam, logo existem

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