Resumos. Ensaios. Artigos. Resenhas. Análises. Críticas.

sábado, 22 de janeiro de 2011

"ATÉ O FIM" DE CHICO BUARQUE DE HOLANDA

           Paraguassu de Fátima Rocha

           Observando-se o poema de Chico Buarque, percebe-se uma história elaborada com rimas e efeitos sonoros próxima da linguagem coloquial de pessoas que residem do interior do país (termos como safado, chato de um querubim, tava, maracatu e festim).
           O autor mistura presente e passado, demonstrando claramente a intenção de contrariar o destino traçado pelo anjo. Isso pode ser verificado pela presença da antítese nos dois últimos versos da primeira estrofe: "Já de saída a minha estrada entortou,/Mas vou até o fim". Ou seja, o eu poético seguirá em frente independente dos acontecimentos que a vida lhe reserva, principalmente num país como o Brasil, em que para obter sucesso é preciso ser jogador de futebol ou ladrão (talvez uma alusão aos políticos). Embora vivendo da incerteza e sacrificado pelas perdas, o sujeito do poema não desiste, conforme afirma no último verso de cada uma das estrofes.


            Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim

Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim

Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim

Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pr'onde mesmo que vou
Mas vou até o fim

Como já disse, era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Do LP Chico Buarque - Polygram, 1978

Referências

Nenhum comentário:

Postar um comentário