Para
se falar do objetivo do autor ao escrever uma obra, deve-se inicialmente pensar
na lógica do texto, ou seja, no seu sentido e como é construído. Há, também,
que se pensar no receptor desse texto, o leitor, e as inúmeras interpretações
resultantes da leitura. Isaias Pessoti
elabora um texto baseado na recuperação do passado através da pesquisa e afirma
em entrevista a Edmundo Barreiros que seu primeiro romance saiu por desaforo.
Pessoti, ao justificar sua resposta do porque escrevia, esclarece que:
Estava
muito irritado com o que aconteceu com Euirípedes, que foi injustiçado em vida
porque incomodava o poder e o status quo. Era quase subversivo e foi banido da
história da filosofia. O saber tem essa função: a de redimir as injustiças e
botar na defensiva os dogmas do momento.
Depreende-se, portanto,
que o ideal do autor é reescrever a história priorizando a alma humana e o
saber. Dessa forma, desconstrói a ideia da verdade absoluta, na medida em que o
homem põe em dúvida a própria existência e o resultado conquistado através de
suas pesquisas, ou seja, se a existência humana depende da busca pelo
conhecimento é imprescindível destacar que esse se renova constantemente, o que se sustenta
pelas palavras de Beatrice ao explicar a Mauro a digestão dos mamíferos:
... Quando se diz que na ciência não há gênios, faz-se referência à
inexorável progressão do conhecimento, quando balizado pela lógica de um lado e
pela realidade objetiva, de outro. Há quem diga que esse determinismo do saber
pode aplicar-se aos conceitos da teoria, como as hipóteses e dados que elas
geram. Mas não à criação de técnicas novas de experimentação. (PESSOTI, 1993,
p. 37)
O conhecimento para o
autor seria, então, um labirinto a ser percorrido em busca da verdade que envolve histórias de poder, intrigas,
morte e traição, o que fica claro pela presença de personagens históricas, como
Eurípedes. O dramaturgo é descrito pelo narrador como “brilhante nas ideias,
crítico e honesto em seu pensamento, pronto a muda-lo quando a verdade assim exigiu” (p. 108). Para Pessoti,
tais atitudes levaram-no ao declínio devido á inveja dos poderosos.
O conhecimento para o
autor está relacionado à paixão, a qual se torna o objeto de sua obra, pois
segundo ele a paixão é legitimada como componente humano. Pessoti estabelece um
paralelo entre a paixão e a razão, enfatizando o domínio da primeira sobre a
segunda, sugerindo que a paixão é fundamental para que se entenda as mudanças
de comportamento na sociedade ocidental. Ao ser entrevistado pela EPTV, declara
que a ciência e a razão trabalham para minimizar o risco de acidentes e da
incompreensão, além de dar graça à vida e à pesquisa. Nesse contexto, tece a
trama de sua obra criando símbolos para traduzir a paixão pelo conhecimento.
Dentre eles, destacam-se as figuras do tradutor, do erudito, do enigma e do
detetive e do leitor. Todos esses elementos entrelaçados dão vazão à
compreensão de Pessoti sobre a paixão e o saber .e cada um representa o
universo acadêmico se partirmos do pressuposto de que toda pesquisa precisa
necessariamente que se estabeleça uma hipótese a ser respondida por um
pesquisador/detetive e que essa normalmente é um enigma, pois nem sempre o
pesquisador sabe a que ponto chegará a sua proposição. Por mais conhecimento
que possua em determinada área ou quanto mais erudito for, ao percorrer os
caminhos da pesquisa sempre irá se deparar com algum elemento novo que poderá
responder seus questionamentos. No texto de Pessoti (p. 107) há uma passagem
que ilustra essa paixão pelas descobertas na fala do tradutor ao ser convidado
para visitar a villa e rever o
retrato do bispo
... eu me
conheço: não vou conseguir fazer coisa alguma enquanto não souber quem é esse
nosso bispo inconformista. Começarei descobrindo o que ele pensa. É um passo.
Lorenzo
acha que o retrato do bispo na biblioteca da villa pode revelar muito sobre ele. ...
Vamos
cercar o problema por todos os lados. Qualquer pista pode servir. (PESSOTI,
1993)
O bispo vermelho representa a reconstituição da
história de Eurípedes pela escritura do Commentarium
e é descrito pelo autor como sedutor “... não penetrem na alma desse bispo vermelho.
É a sedução dele que fascinou vocês.” (p. 104). Novamente, surgem as discussões
sobre a paixão em seus diferentes sentidos, primeiro pela pesquisa, pela paixão
carnal e pelos sabores retratados na história através dos grandes banquetes.
Também para construir
sua obra e tratar da paixão, Pessoti utiliza conceitos da filosofia, da arte,
da psicologia e da história, dentre outros. Segundo Thiago Zatti, o autor
constrói
seu texto apontando as relações entre o espírito humano e o saber, demonstrando
como a descoberta (principalmente seu processo), a ciência, o saber, são frutos
das paixões e da intempestividade do espírito humano. Neste sentido, a erudição
apresentada aqui não serve per si (ZATTI)
Isaias Pessoti, pesquisador
confesso e apaixonado pelos mistérios e meandros da pesquisa, elabora um
tratado sobre essa, construindo suas
personagens como verdadeiros detetives que aproveitam qualquer pista
para solucionar seus enigmas. Um pesquisador apaixonado pelo seu objeto vale-se
da leitura de diferentes gêneros textuais, da sabedoria popular, da erudição e
do trabalho em equipe para decifrar enigmas, questionamentos e hipóteses a fim
de encontrar uma explicação e defender o que ainda não foi dito ou ainda
segundo o narrador:
Mas
nós farejávamos significados em qualquer coisa, imagem, palavra. Nosso
divertimento, agora vejo bem, era encontrar significados para o que a nossa
busca. Cada detalhe (...) tinha(m) que compor um mosaico, uma história coerente
e verdadeira. Mas havia também, inútil negar, a paixão (...). (PESSOTI, 1993,
p. 213)
Conclui-se, assim, que embora o papel
do pesquisador possa estar associado à razão, é a paixão que o conduzirá a um
resultado assertivo no final.
Pelas razões acima apresentadas, a
leitura do romance desperta em qualquer leitor o prazer e a paixão pela
pesquisa, instigando-o a desenvolver projetos que preencham lacunas e
contribuam para o desenvolvimento humano e suportem todos os tipos de
conhecimento, desde o empírico até o científico.
Dessa forma, portanto, pretendo desenvolver
minha tese, pois o romance em questão apontou para diferentes caminhos a serem
trilhados e principalmente para a paixão pela pesquisa.
A obra, embora contribua para iluminar a
pesquisa, requer uma ou várias leituras minuciosas para entender os mistérios
apresentados pelo autor. Salienta-se que essas leituras podem se estender a qualquer texto.
Como texto literário, passível de
análises e críticas literárias, destaca-se o mise-en-abyme, característico do romance pós-moderno, o que de
certa forma pode dificultar a leitura, pois não se trata de uma narrativa
linear e o leitor precisa se centrar nas diferentes histórias para compreensão
do texto. Outro recurso frequentemente utilizado pelo autor é o deus ex machina. Por se tratar de um
texto literário, é aceitável. Porém, sabe-se que em uma pesquisa científica nem
sempre as soluções surgem com a mesma rapidez. Isso, no meu ponto de vista,
descaracteriza o mote do autor ao tratar da pesquisa.
Conclui-se esta análise com as palavras do narrador.
A nossa investigação, embora desordenada, era fecunda e até
segura. Ela não seguia um método. Seguia uma paixão. E pensei então que a
objetividade talvez seja o melhor caminho para descobrir e explicar conceitos
ou doutrinas. Mas quando se trata de descobrir e entender figuras do passado,
pessoas, uma certa dose de paixão ilumina detalhes que a mera racionalidade não
enxerga. (PESSOTI, 1994, p. 213)
REFERÊNCIAS
BARREIROS,
Edmundo. Jornal do Brasil.
Disponível em http://www.tirodeletra.com.br/porque/IsaiasPessotu.htm.
Acesso em 15/março/2017.
PESSOTI,
Isaias. Aqueles cães malditos de
Arquelau. São Paulo: Editora 34, 1993/1994.
ZAIDAN, Rubens. EPTV Comunidade entrevista Isaias Pessoti.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7MF2ZYX-HqU. Acesso
em 20/março/2017.
ZATI, Thiago. Resenha – Aqueles cães malditos de
Arquelau. In: Luzes Artificiais; Disponível em http://luzesartificiais.blogspot.com.br/2007/01/resenha-aqueles-ces-malditos-de.html. Acesso
em 15/março)2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário