Paraguassu de Fátima Rocha
A simplicidade do conto “O Rouxinol e a rosa”, escrito por Oscar Wilde para seus filhos em 1888 e que faz parte do livro “Histórias de fadas”, traz no seu título os componentes simbólicos que lhe conferem unidade e exaltam o seu significado.
O tema da história pode ser subdividido em dois, um contrapondo-se ao outro: o sacrifício em prol do Amor versus a ingenuidade e a futilidade da juventude.
Ao se relacionar o tema ao título da obra, o último torna-se bastante sugestivo, pois nele estão agregados a personagem mais importante da história, possuidora de sentimentos nobres e elevados e o principal objeto de desejo do conto: a rosa. Dessa maneira, o título tem um papel primordial por remeter à ideia de sacrifício, o acontecimento mais marcante de todo o conto.
Por se tratar de um tema complexo, ele não é revelado diretamente ao leitor, ele surge com o desenrolar da história e somente é percebido, na sua totalidade, no desfecho do conto quando, através das reações das personagens humanas, o leitor dá-se conta de que o sacrifício do pequeno pássaro foi em vão, pois é apagado, depreciado por essas atitudes finais, fúteis e frívolas, de seus personagens humanos.
A partir dos elementos representativos da fábula que em geral é protagonizada por animais e que deixam transparecer uma alusão aos seres humanos, o contista desenvolve o que Massaud Moisés em A criação literária (1968, p. 113) denomina “conto de caráter”, uma vez que a narrativa está centrada nas impressões e decisões do personagem principal, tendo o personagem secundário, o estudante, participação relevante apenas para formar a atmosfera a qual contribuirá para o clímax do conto.
O conto é narrado em terceira pessoa, seu narrador coloca-se como mero observador, ou seja, ele não participa dos fatos narrados apenas narra-os ao leitor de uma maneira neutra, sem qualquer intervenção – por exemplo, expondo suas opiniões, seus julgamentos. Assim, através dessas características, pode-se dizer que esse narrador melhor se encaixa na classificação de: narrador onisciente neutro.
Num primeiro momento, o narrador, nesse conto, apresenta-se como um elemento de pouca relevância, pois ele se insere quase que imperceptivelmente entre as falas das personagens, apenas para apontar a sua origem – por exemplo: “disse o Rouxinol”, “exclamou o jovem estudante”. Mais adiante, mais ou menos da metade em diante – após o Rouxinol ter decidido sacrificar-se para obter a rosa vermelha – ele surge de uma forma mais proeminente, entre passagens, demarcando os acontecimentos, as reações das personagens, as mudanças de ambientes, porém sempre de uma maneira neutra.
E é através desse narrador onisciente neutro que toma-se conhecimento dos conflitos vividos pelos personagens. A narrativa caminha em duas direções. Num primeiro plano tem-se a fala do estudante que funciona como pano de fundo para o início do conflito vivido pelo protagonista, o rouxinol e sua antagonista, a rosa. “ - Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas – exclamou o Estudante – mas não vejo nenhuma rosa vermelha no jardim.” Ambos classificam-se como personagens redondos, por apresentarem características psicológicas e ideológicas. O rouxinol obedece seus impulsos interiores e acredita na força dos sentimentos “Rejubila-te – gritou o rouxinol. – Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha. Vou fazê-la de música, ao luar. O sangue do meu coração a tingirá. Em consequência só te peço que sejas sempre verdadeiro amante, porque o Amor é mais sábio que a Filosofia, embora sábia; (...)”, enquanto a rosa demonstra o egoísmo inerente ao caráter do ser humano “ – Se queres uma rosa vermelha, explicou a roseira, hás de fazê-la de música, ao luar, tingi-la com o sangue do teu coração. Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho.”
O rouxinol e a rosa estão diretamente ligados à simbologia do amor que é o tema central do conto. O rouxinol, além de ser conhecido pelo seu canto perfeito também mostra o laço entre o amor e a morte, o que se completa pela rosa vermelha que tem na sua cor uma relação paradoxal, pois o vermelho tanto pode simbolizar o sangue latente da vida quanto o da morte, e ainda representa a flor símbolo dos apaixonados. Isso se evidencia no pedido da rosa ao rouxinol “Cantarás toda a noite para mim e o espinho deve ferir o coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.”
Quanto ao estudante e sua amada, representam no conto os personagens secundários e são classificados como personagens planos pois são frutos do meio em que vivem e os acontecimentos são externos a suas vidas, ou seja, não ocorrem dentro deles. O sofrimento do estudante lhe é proveniente de uma condição imposta para estar junto dela “Se levar uma rosa vermelha, dançará comigo até a madrugada”. Enquanto para a jovem o que importa são os valores materiais, desprezando a rosa conseguida com a vida de um outro ser: “Talvez não combine bem com o meu vestido, disse. Ademais, o sobrinho do Camareiro mandou-me jóias verdadeiras, e jóias todos sabem, custam mais do que flores.”
A narrativa desenvolve-se de maneira linear obedecendo a ordem natural dos acontecimentos, exceções feitas a um pequeno flashback que acontece na fala do rouxinol para demonstrar sua atitude de solidariedade com relação ao sentimento do estudante “Gorjeei-o noite após noite, sem conhecê-lo no entanto; noite após noite falei dele às estrelas e agora o vejo...” e ao flashforward na fala do estudante “ – Amanhã à noite o Príncipe dá um baile, murmurou o Estudante, e a minha amada se encontrará entre os convidados. Se levar uma rosa vermelha, dançará comigo até a madrugada. [...] Não há rosa vermelha em meu jardim... e ficarei só”, o que será de crucial importância na sequência da ação.
Ação essa que se desenrola no jardim. É ali que todos os sentimentos afloram. Desde a tristeza e a indignação do estudante por não ter a rosa vermelha para entregar à amada, passando pela curiosidade das plantas e dos animais que ali habitam. “ – Por que está chorando? – perguntou um pequeno lagarto ao passar por ele” e ironia “ – Por causa de uma rosa vermelha? – exclamaram – Que coisa ridícula! E o lagarto, que era um tanto irônico, riu à vontade.”, culminando com a decisão do rouxinol em entregar sua vida à rosa em nome do amor. Nesse espaço está representada a vida como ela é, pois seus personagens assumem a polaridade dos sentimentos do bem e do mal, o belo e o feio, o altruísmo e o egoísmo, num período de tempo relativamente curto, vinte e quatro horas, coincidente com a estrutura de um conto.
O clímax do conto ocorre no momento em que o rouxinol emite o seu canto final, tendo seu coração penetrado pelo espinho da roseira “Então, arrancou do peito o derradeiro grito musical. Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se da Aurora e permaneceu no céu. A rosa vermelha o ouviu, e trêmula de emoção, abriu-se à aragem fria da manhã. [...] – Olha! Olha! Exclamou a Roseira. – A rosa está pronta, agora.”
Com um final surpreendente, Oscar Wilde transmite neste conto infantil uma mensagem de vida, devido a sua relação atemporal e universal, pois os sentimentos discutidos em “O rouxinol e a rosa” levam o leitor a fazer uma análise dos relacionamentos, principalmente num período em que tudo é efêmero
REFERÊNCIAS
MOISÉS, Massaud. A Criação Literária. 2a. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1968.
GANCHO,Cândida Vilares. Como analisar narrativas. 7a. ed. São Paulo: Ática, 2002.
CHEVALIER, Jean; GHEERBANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, cores, números. 9a. ed. Rio de Janeiro : José Olympio, l995.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários.
Muito boa a analise do conto.
ResponderExcluirVou ser fã do seu blog.
ótima análise. Me será muito útil, pois estou fazendo um trabalho sobre este conto.
ResponderExcluirÓtima análise :)
ResponderExcluirAdorei
ResponderExcluirÓtima análise, gostaria de saber qto às características das personagens ROUXINOL e ROSA, qto à classificação de serem ESFÉRICAS e porquê?
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