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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A BASE DA INTERPRETAÇÃO ACADÊMICA DO TEXTO LITERÁRIO

Paraguassu de Fátima Rocha

   A análise e a interpretação de um texto literário não devem partir de um direcionamento meramente subjetivo, pois, para que tais procedimentos se efetivem torna-se necessária a utilização de regras firmadas ao longo do tempo por teóricos e críticos.
    As correntes críticas que se desenvolveram foram responsáveis pela fixação de parâmetros úteis num determinado momento histórico, mas, de certa forma, também impediam a extrapolação do texto, fechando-o em si mesmo. Assim se constatou com o Formalismo Russo, rompido por R. Jakobson e I. Tynianov, os quais abriram novas perspectivas para o estudo do texto literário. Acompanharam essas perspectivas Jan Murakovsky, Mikhail Bakhtin e Julia Kristeva, entre outros, que vislumbraram as possíveis relações entre os textos, fossem eles contemporâneos ou afastados pelo fator temporal, o que viria a constituir a intertextualidade.
     É importante ressaltar também as considerações de Robert Jauss e Wolfgang Iser a respeito da Estética da Recepção e Roland Barthes com a "morte do autor", nas quais a barreira do imanentismo cede lugar à tríade produção, obra e recepção.
     Examina-se  rapidamente aqui esses três elementos, respondendo à pergunta que a originou: De que maneira a opinião do autor e do crítico ajudam a compreender melhor a obra como um todo e também o seu fazer artístico como fruto do mais puro lirismo?
      Ao considerar a função estética do texto literário em que predominam recursos como a articulação entre expressão e conteúdo, a conotação, a pluralidade de significados, ideias e imagens, coloca-se o autor como responsável pela configuração dessas características. Mas como deprendê-las do texto sem um conhecimento prévio?
      A participação do teórico-crítico é fundamental na solução desse problema, à medida que incita a interpretação e estabelece relações mais claras entre a leitura descompromissada e aquela capaz de aproximar o analista acadêmico do real sentido do texto.
      Darcy Damasceno, poeta e teórico, por exemplo, ao analisar o livro Viagem de Cecília Meireles resume prazerosamente os meandros que lhe conferem o titulo, apresentando critérios que facilitam sua compreensão. "Viagem vale pela revelação definitiva de uma natureza artística em sua plenitude e de um estilo poético em seu ponto de perfeição [...]. Daí certa tendência descritiva (melhor diríamos: representativa) de sua poesia, que exige a presença de elementos concretos mesmo nas peças intimistas onde se cristalizam estados anímicos" (DAMASCENO, 1972, p. 17-18).
       A análise de Damasceno estimula também a formulação de novas leituras, orientando para as considerações de Bakhtin (1992, p. 205) sobre o artista. Para Bakhtin, todo artista tem a tarefa de encontrar um meio de aproximar-se da vida pelo lado de fora, ou seja, a sua criação não deve partir apenas do seu eu interior, mas buscar através do seu contexto histórico e social uma nova visão de mundo. É o que faz Cecília em Viagem segundo Damasceno. O autor destaca que "A pluralidade de assuntos diz bem do ineresse humano da autora [...]; as mais humildes manifestações da vida, os seres diminutivos, os episódios mais singelos são motivo de elevada reflexão [...]. A um poeta visual [...] como Cecília Meireles, não poderia escapar o desempenho de cada ser na mecânica do mundo" (DAMASCENO, 1972, p. 18)
         Essa opinião é coincidente à de Cecília Meireles ao afirmar que ""o poema perfeito é o que apresenta forma e expressão num ajustamento exato", mas que em função as condições do seu mundo seria raro encontrar "poetas tão em estado de vivência puramente poética, livres do atordoamento do tempo, [...] que criem poesia como se fossem cristais".
       Barthes ao se referir ao autor em seu ensaio "A morte do autor" esclarece que esse não é simplesmente uma "pessoa", mas um sujeito constituido social e historicamente, não existindo antes ou fora da linguagem. Ou seja, um poema, no caso específico de Cecília Meireles, não pode ser considerado apenas em sua estrutura, mas como resultado de experiências vividas que se traduzem em seu lirismo através da linguagem metafórica, o uso de recursos como ritmo, sonoridade, repetição de palavras, sequenciações, repetição de situações ou descrições, ou conforme Massaud Moisés, "o lirismo constitui a manifestação das inquietudes emocionais e sentimentais; o estado natural do "eu" para si próprio, e, portanto, a expressão da resposta mais pronta do poeta aos estímulos externos e internos" (MOISÉS, 2004, p. 262).
        Pelas razões expostas acima, não é difícil esclarecer o papel que essas opiniões têm no processo de análise de textos literários, especialmente na análise acadêmica, pois é através delas que serão constituídas as leituras possíveis, estabelecendo relações entre textos, como por exemplo, nos poemas "Motivo" de Cecília Meireles e "Razão de Ser" de Paulo Leminski, desvendando seus significados intrínsecos e tornando ativo o papel do leitor, sem contudo abandonar as "estratégias de interpretação" propostas por Fish citado por Eagleton (2003, p. 118), as quais indicam que "os leitores em questão são leitores "informados e familiarizados", formados em instituições acadêmicas, cujas reações provavelmente não serão [...] demasiado divergentes entre si [...].
       Dessa forma, tem-se o texto literário como obra aberta, passível de recriação, mas sem abandonar o seu sentido universal.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARTHES, Roland. "Death of the author". Disponível em http://jefferson.village.virginia.edu/
_______________. "Exit author". Disponível em http://www.triplov.com/
CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 1986.
DAMASCENO, Darcy. "Poesia do sensível e do imaginário" in: MEIRELES, Cecília. Obras Poéticas. Rio de Janeiro: J. Aguilar, 1972.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004.
"Death of the author"